Morre George Bush pai, o presidente dos EUA que selou o fim da Guerra Fria

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(foto: reprodução)

George Bush pai, o presidente dos Estados Unidos que selou o fim da Guerra Fria e derrotou Saddam Hussein na Guerra do Golfo, morreu na noite da sexta-feira, 30 de novembro, aos 94 anos. Nascido no seio de uma família abastada de Nova Inglaterra, ele representava o republicanismo moderado e pragmático que contrasta fortemente com a era de Donald Trump. Seus quatro anos de mandato na Casa Branca (1989-1993) foram marcados pelas turbulências da política exterior, que enfrentou com sucesso e altos níveis de popularidade, mas a crise econômica e sua falta de carisma o impediram de ser reeleito. Com a saúde frágil havia vários anos, Bush sofria do mal de Parkinson. Sua esposa, Barbara, com quem foi casado durante 73 anos, falecera em abril. O casal teve seis filhos, entre eles um ex-presidente e um pré-candidato presidencial. Com Bush pai, perde-se o patriarca de uma das grandes dinastias da política americana.

Antes de chegar à Presidência, George Herbert Walker Bush (Milton, Massachusetts, 1924) foi de tudo na vida pública: congressista, embaixador na ONU e na China, chefe do Partido Republicano, diretor da CIA e vice-presidente da era Reagan. Forjou sua carreira política e empresarial no Texas, para onde se mudou muito jovem, mas provinha da Nova Inglaterra da direita moderada e da esquerda primorosa, encarnando o suprassumo do hoje insultado establishment. Seu pai era um rico empresário do aço, senador e broker em Wall Street, que jogava golfe com Dwight Eisenhower.

Aos 18 anos, quando o roteiro não escrito de sua vida mandava ir a Yale e começar no mundo dos negócios, Bush decidiu se alistar no Exército e combateu como piloto na Segunda Guerra Mundial. Seu avião foi abatido em 1944, mas um submarino o resgatou e ele pôde regressar com vida e condecorado. Logo se formou em Yale e se casou com Barbara, sua namorada desde a adolescência, quando ele tinha 21 anos e ela 20. Mudou-se então para o Texas e ingressou no negócio do petróleo, tornando-se congressista nos anos sessenta. Como o senador John McCain, morto há três meses, George H. W. Bush simboliza esse tipo de político com o qual os Estados Unidos gostam de se identificar: um velho herói de guerra cujas decisões, mais ou menos acertadas, superam os cálculos da luta partidária.

Na última sexta-feira, 30 de novembro, ele recebeu palavras de reconhecimento de republicanos e democratas. O presidente Donald Trump, que se encontra na reunião do G20 em Buenos Aires, emitiu um comunicado destacando sua liderança. “Com sua essencial autenticidade, engenho aguçado e compromisso inabalável com a fé, a família e o país, o presidente Bush inspirou gerações de compatriotas norte-americanos para o serviço público”, afirmou Trump. O ex-presidente Barack Obama, que já elogiou sua política exterior em vida, definiu-o como um exemplo de que o serviço público pode ser uma função “nobre e feliz”. “Ele a desempenhou muito bem durante sua jornada. Expandiu a promessa da América aos novos imigrantes e às pessoas com deficiência. Reduziu a ameaça das armas nucleares e construiu uma ampla coalizão internacional para expulsar um ditador do Kuwait. E, quando as revoluções democráticas floresceram no Leste Europeu, foi sua mão firme e diplomática que conseguiu terminar com a Guerra Fria sem efetuar um único disparo.”

Se não era cativante como político, George H. W. Bush se destacava por suas habilidades diplomáticas. Sua política exterior foi concebida a partir da realpolitik, combinando cautela e força. Com Mikhail Gorbachev, ele assinou em 1991 o tratado para a redução de armas nucleares. Na Guerra do Golfo, promoveu uma coalizão militar de mais de 30 países que conseguiu expulsar rapidamente Saddam Hussein do Kuwait naquele mesmo ano, embora, por prudência, tenha evitado entrar no Iraque para combater e derrocar o ditador. Isso foi feito depois por seu filho, o presidente George W. Bush (2001-2009), que iniciou um conflito de consequências desastrosas e ainda presentes. Bush pai optou pela invasão do Panamá em 20 de dezembro de 1989, com um ataque de apenas duas horas que fez o ditador Manuel Antonio Noriega se render em poucos dias. Noriega foi levado aos EUA e julgado por narcotráfico.

Durante a Guerra do Golfo, a popularidade de Bush superou os 80% e ele recebeu o reconhecimento da oposição, numa época em que os consensos de ambos os partidos não eram tão difíceis de atingir quanto agora. Parecia, de novo, o roteiro de quem era chamado a repetir o mandato na Casa Branca, mas a recessão e a atração exercida por um jovem candidato democrata chamado Bill Clinton impediram que fosse reeleito. Aquele famoso bordão “É a economia, estúpido”, frase atribuída a um assessor do democrata e que sintetiza o sucesso de sua campanha, foi o que sentenciou Bush pai.

No campo econômico, Bush promoveu as negociações do grande tratado de livre comércio entre EUA, México e Canadá (o antigo Nafta, na sigla em inglês), mas foi Clinton que o assinou. E, apesar de suas promessas eleitorais e de sua fé conservadora, Bush foi obrigado a aumentar os impostos após a era das grandes reduções de Reagan. Havia perdido em sua primeira tentativa de chegar à Presidência dos EUA para o ex-ator, que, após derrotá-lo nas primárias, escolheu-o como seu candidato a vice.

Nas últimas eleições presidenciais, em 2016, o clã Bush deu as costas a Trump. Outro de seus filhos, Jeb, ex-governador da Flórida, havia iniciado a disputa como pré-candidato favorito das primárias republicanas: conjugava as vantagens de pertencer a uma família poderosa do republicanismo com uma abundante lista de doadores e aliados, além de atrair um coletivo cada vez mais numeroso de eleitores: os latinos. Mas a reação ao establishment o superou, e o trumpismo se impôs com um discurso incendiário que colocou fim à sua saga.

Com a vitória de Trump, após uma tensa campanha que partiu os EUA em dois, veio à memória a carta de boas-vindas à Casa Branca que Bush pai deixou a Bill Clinton ao perder a eleição, como exemplo de um estilo de política já extinto. “Haverá momentos duros, ainda mais difíceis por críticas que você pode considerar injustas, mas não deixe que os críticos o desanimem ou o desviem do caminho”, deixou escrito.

El País Brasil

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