“Olha lá o João Gilberto”! João Gilberto por Luisão Pereira  

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[Descansa em paz, meu mestre, gênio e vizinho.]

Segue algo que escrevi sobre ele uma vez:

Era o ano de 2000, eu estava no aeroporto do Galeão, com a Penélope (banda que toquei por oito anos) aguardando a hora de entrar num voo pra Porto Alegre, quando alguém da equipe falou:

– Olha lá o João Gilberto!

Não era novidade que eu sempre tive orgulho de falar da minha admiração e de alguma forma, “ligação”, já que o cara era da minha cidade e conhecido do meu irmão mais velho.

Ai, num tom de sacanagem, alguém disse:

– Não vai falar com o seu amigo não, Luisão?
Todos riram!

Foi ai que me dei conta que realmente era ele mesmo, João Gilberto, o mito em pessoa.

Deu um frio na barriga, ainda maior do que eu sempre sinto ao entrar num avião.

Lucy Vianna era nossa empresária na época. Ela era inglesa. Pra ela, quando eu falava que João Gilberto havia nascido na minha rua, três casas depois pra ser exato, e que eu o via por lá quando eu era criança. Equivaleria a ela contar o mesmo pra mim, tendo como personagem o Paul McCartney.
Eu também não acreditaria.

Ela também engrossou o coro dos que queriam me empurrar até o cara:

– Vai lá lulu!

Com um olho na brincadeira e outro no João Gilberto.

Ele estava na sala de embarque, a uns dez metros de nós, lendo uma revista, sentado na última fileira.

Haviam várias cadeiras vazias, perto dele só o violão ao lado dos pés e uma mulher com cara de vigilante da paz. Mas eu não podia deixar todos rirem da minha cara daquela forma, além do que, falar com João Gilberto não seria uma má ideia – poderia ser uma péssima! (claro que pensei isso também).

Mesmo assim, peguei um pouco da coragem e da tranquilidade que São Rivotril me dava em aeroportos e saí em direção ao cara.
Foram alguns dos passos mais longos da minha vida.

Durante o curto caminho, eu ia pensando: Cacete, tô fudido, que zorra é que vou falar?

Cheguei na frente dele e parei. Ele fez de conta que não me viu.

Então falei muito baixinho:

– Seu João!? Ei, seu João?

Ele desviou a revista do rosto, e me olhou franzindo a testa. Respirei fundo e insisti:

– Seu João, desculpa te incomodar. Sou Luis, de Juazeiro, irmão de Tatau, fui aluno de Vivinha (irmã dele que tinha uma escolinha na nossa rua). Só vim dar um oi…
Antes deu acabar meu texto decorado ao longo dos passos, João Gilberto largou a revista, emitiu um “hôoo..” acompanhando um sorriso. Levantou-se e me deu um abraço.

Daí passou a me fazer o monte de perguntas:

– Nossa, você é o mais novo? – Como vai o Dr Humberto? (meu pai)
– e sua mãe?
– Você esta indo pra Juazeiro? Seu irmão nunca mais me ligou…

E eu ali petrificado.
A única coisa que eu consegui falar, em resposta a mais perguntas dele, foi que – Sim! Eu morava no Rio.

Ele prontamente pegou uma caneta, um pedaço de papel, anotou um telefone e disse: – Me Ligue!

Todos da banda e equipe ficaram olhando sem acreditar.

Deu a chamada pro nosso embarque, me despedi dele e fui em direção aos meus parceiros.
Voltei ainda mais inflado do que normalmente. Lucy já estava ao celular com Herbert Vianna, (marido dela) contando o que acabava de testemunhar.

Flavão, nosso produtor, 100% carioca, falou com aquele sotacão: – Aê muleque, tirou onda mermão. O cara te conhece mermo! O que é isso ai em tua mão, um autografo?

– Não, o telefone dele!

Respondi, com o olhar de quem parecia não mais temer o voo, afinal eu já estava nas nuvens.

 

Luisão Pereira, músico juazeirense 

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