Decepção: transformaram o Festival Edésio Santos em festa privê, por Sibelle Fonseca

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(foto: arquivo pessoal)

Antes que me julguem, já vou avisando: O que vou dizer aqui não é “coisa da oposição” ou de “gente que não gosta de Juazeiro”. Tendo a não fazer oposição a esquerda (questão de ideologia mesmo) e sou louca por Juazeiro. Não sou daqueles que adotam a Lei de Murphy, do “Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível”.

Tenho ouvido falar, referindo-se a gestão municipal, que “venderam Juazeiro”, o que rebato. Reconheço que, algumas parcerias público-privadas, são necessárias e dão resultados positivos, em alguns casos. Fazer concessões para o privado, é legítimo e também dão resultados positivos, em alguns casos. A parceria do carnaval, mesmo como  todo o rigor e vícios do capital que exclui e é injusto, é necessária. O Zona Azul, da mesma forma. Falta não perder de vista que trata-se de “coisa pública”. De festa pública, de concessão pública. Portanto, máximo respeito ao povo. Só falta bom senso na aplicação de ambos.

Como faltou muito bom senso, coisa de gente sem noção mesmo, na “privatização” do Festival Edésio Santos deste ano. Que decepção!

Eu, louca por este evento, saí de casa já atrasada e cheia de expectativa de curtir uma noite quente de “juazeiranidade”na orla nova da cidade. Tinha razões para ir de carro, mesmo morando próximo. Procurando estacionamento, na área pública, fui avisada que a vaga custava R$5,00. Desci do carro e vi um jovem com um coller (de piquinique) ser abordado, com o aviso de que era proibido. Era proibido entrar até com seu isopor carregando o que beber.

(foto: arquivo pessoal)

Olhei em volta do espaço não vi nenhum ambulante. Fui informada que eles foram proibidos também. Me dirigi a uma barraca de vendas de bebidas, atrás de uma cerveja e não acreditei! Apenas duas opções, ou uma marca já rejeitada no mercado, por R$ 5,00 (a lata), ou uma puro malte importada (330ml), por R$ 10. Refrigerante, R$ 5,00 e uma garrafinha de água R$ 3,00. E esta barraca era a única opção. Pensei na hora: “será que ‘venderam’ a 22° edição do Festival Nacional Edésio Santos da Canção?”

Se um festival (público) de Música Popular Brasileira, deve ser feito para o povo e com o povo, que povo tinha ali? Que povo pode pagar R$ 3,00 em uma garrafinha de água? Eu, por exemplo, operária da comunicação, não posso pagar R$ 10,00 numa cerveja (a outra marca me ofende). Até porque eu não vou até o final com uma só. Só os fortes conseguem isso. Festa popular sem vendedor ambulante nem assenta. Faltou a energia deles e delas que vendem “3 latinhas por dez”, muitas vezes. Faltou a barraca de capeta que os estudantes adoram. Faltou Natureza com seu chá de flor, faltou energia. Faltou até o espetinho. A moça vendendo sanduíche natural e outra, trufas, também faltaram. Faltaram o espaço aberto e o aconchego de gente. Já fui a outras edições no mesmo espaço, mas o clima era outro. Nem na Arena do velho João Gilberto, o espaço era tão fechado e frio assim.

Como não sou de me lamentar, passei pouco mais de 20 minutos por lá e saí indignada. No trajeto, encontrei duas pessoas queridas da gestão municipal. Expressei raivosamente, como um desabafo: “Será que vocês venderam Juazeiro mesmo?” De um ouvi que “em todo lugar está sendo assim. Até em Petrolina”. Do outro, ouvi que “a cerveja importada estava até barata”, porque ele havia tomado uma num cruzeiro, por 8 dólares.

Eu, que odeio comparações com Petrolina, até porque não tem cabimento, e nunca fui a um cruzeiro, apressei o passo e vim me embora escrever essas linhas. Eu também não tinha condição de pagar a cerveja de lá não.

O primeiro dia do Edésio Santos deste ano me deixou sem vontade de ir até a final, como fiz todos os anos. Senti falta de cheiro de povo. De um ar de festival popular. Senti um cheiro de exclusão, um desrespeito a música bem trabalhada, que precisa ser ouvida justamente pelo povo. Não pude acompanhar o que os músicos apresentavam, de tanta decepção que senti. Sequer deu pra esperar João Sereno, Mundinho e os filhos de meu amigo Neto, homenageado muito justamente pelo festival.

Passei na Portelinha, um boteco na praça perto de casa, comprei 5 puro malte nacional por uns 12 reais, e pus-me a escrever meu sentimento. A revolta foi passando, suavizei na escrita, e fiquei torcendo para que “Rodrigão”, contratado para a noite deste sexta, segundo eu acreditei, como forma de atrair um grupo “mais popular” para o evento, agrade ao público.

E já vou dormir, contando carneirinhos. Não quero ter espaço para pensar que venderam mesmo o Edésio.

Se por lá me encontrarem por esses dois dias, é porque falou mais forte a juazeirense, louca por música, louca por sua cidade e por sua gente. Mas com a mesma indignação. E ainda sentindo falta daquele “quê” de festa popular de música.

“Geraldo Azevedo lotou”, eu sei que me dirão isso depois. Saberei que sim. Ainda assim, me ressentirei de terem transformado o nosso festival de música em uma festa para poucos. Bem ao estilo, festa privê.

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, conselheira da mulher, mãe de quatro filhos, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e uma amante da vida e de gente

11 COMENTÁRIOS

  1. Moro em porto seguro, como aqui é cidade turística normalmente as coisas são caras mesmo e os espaços públicos são respeitados e cada um vai onde seu poder aquisitivo dar…mas os eventuais festivais são aberto ao público e de tudo tem um pouco de capeteiros a vendedores de redes todos se misturam.
    Fiquei surpreso que está moda de privatização do público tenha chegado aí, eu mesmo sou compositor e cantor e gostaria de participar deste festival , depois desta acho que não valeria a pena fazer música popular pra elitista ver. Parabéns pela indignação ou desabafo como queira. Sou do barro vermelho amante da poesias e das palavras cantadas. Um abraço Sergio Luiz Souza Ferreira.

  2. O mais interessante é que a poucos dias tu perguntava a Miguel Coelho se a intenção dele era privatizar a Ilha do Fogo. E, agora por que não pergunta a Paulo Bonfim qual a intenção dele com a nova orla ?
    Por fim, Amiga, acreditava que esta diferenciação entre lá e cá já era algo superado, inclusive pela gerações, desde Caetano e Geraldinho…” de todo lado é bonito, são dois estados de espírito, no meio fico, não nego, navego (…)

  3. Parabéns pelo texto Sibelle Fonseca, analítico e detalhista, ouvi sua voz em cada palavra. É lamentável que isso tenha acontecido em um Festival tão lindo quanto o Edésio Santos. Ótima crônica carregada de sentimento da “Juazeiranidade” que respira, existe e resiste em nós!

  4. Oxente! Nossa os festivais é para a apreciação popular, seu Edésio Santos em noites acaloradas como as atuais sentava na porta e tocava seu violaozinho sereno e de batida calma para nós daqui da rua Floriano Peixoto, onde morávamos , era uma delicia ouvi-lo. Lamento profundamento se está ocorrendo tal discrepância, Juazeiro sempre foi de todos e para todos, nada de exclusão, desse jeito estamos precisando urgente de lideranças realmente populares.! Estão tirando o foco da cidade hospitaleira, esse diferencial que a outra cidade não tem.

  5. Percebeu que os que defendem as decisões tem sempre uma desculpa nunca uma justificativa , ” esta mais barato que um cruzeiro ? Sinal que ele ganha bem onde trabalha, em Petrolina tambem é assim ? Devia tambem copiar os cuidados com a cidade .

  6. Mas os artistas contratados são pagos com o dinheiro público. Como carnaval quem privatiza não paga as atrações quem paga é a prefeitura. Cadê o ministério público pra investigar isso.

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