“Pra ter animação na festa São João só presta puxando fogo.” por Rodrigo Wanderley

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No dia 23 de junho de algum ano na década de 40 uma cena chamou atenção daqueles que passavam nas ruas próximas a Catedral de Senhor do Bonfim, piemonte norte do Itapicuru, estado da Bahia, um Padre de batina lançava objetos luminosos em direção a um tal jogador de futebol. Era padre Francisco que molhava sua batina e ia brincar com suas espadas contra Pedro Amorim (jogador do Fluminense do Rio de Janeiro e da seleção brasileira de futebol). Aquela cena por muitos anos se repete e não é mais reproduzida por algumas pessoas em torno de poucas casas. Agora são cerca de três mil guerreiros de luz que saem as ruas na véspera do dia de São João para festejar.

Seu Prachedes talvez nunca imaginaria que o artefato pirotécnico que ele encomendou a Neném Fogueteiro para espantar os rapazes que insistiam em mexer em suas cinco belas filhas se tornaria o centro da festividade de São João em sua Vila Nova da Rainha. Nem os rapazes imaginariam que os gritos de galhofa e de arreliação que provocavam o velho ranzinza se tornariam bordão dentro de uma das mais belas e arriscadas manifestações da cultura popular do interior da Bahia. “Galeou Precheu. Só tinha essa?! Solta essa cobrinha!!!”

A Guerra de Espadas é a reunião de amigos, compadres, vizinhos e parentes, que se juntam e saem as ruas em grupos para “soltar” seus brinquedos de luz (artefatos produzidos artesanalmente em pequenas tendas por mestres fogueteiros, muitos deles não-letrados, realizando algo próximo a uma química popular). Os Guerreiros circulam entre casas de festeiros que preparam mesas fartas recebê-los. Em troca, recebem espadas, uma homenagem ao dono da casa.

O couro come mesmo é nas ruas onde estão instaladas as fogueiras de Ramos, grande árvores fogueiras repletas de prêmios simbólicos (pedaços de cana de açúcar, frutas, litros de cachaça, até sandália havaianas). Alguns se preparam para comer a fogueira crua. Já os moradores das ruas defendem suas fogueiras com seus sabres de luz. Tudo ao som do forró, quase onipresente.

Nos anos 2000 o Ministério Público do Estado da Bahia passou a questionar a festa da Guerra das Espadas e a produção artesanal passou a ser combatida, até mesmo com a prisão de seu Zé Cabide (filho de Neném Fogueteiro), mestre do saber popular e produtor de fogos de artificio desde os 5 anos, quando aprendeu o seu único ofício.

A Guerra, que acontecia em todas as ruas, passou a ser restrita a apenas uma dezena de ruas no centro da cidade. E os Guerreiros passaram a ser presos e responder por porte de arma de fogo quando soltavam sua espadas fora do circuito criado pela Prefeitura e Câmara de vereadores.

Todo ano junto com as bandeirolas, as fogueiras, as bombinhas, a alegria, os trios pé de serra, e o calumbis, uma pergunta toma as ruas de Bonfim: Esse ano vai ter Guerra de Espadas? Certamente, a festa dos Guerreiros da luz nunca acabará. Talvez mude, como nunca parou de mudar. Entretanto, algo precisa ser problematizado, a Guerra de Espadas é patrimônio do povo de Senhor do Bonfim e não pode acabar por conta de meia dúzia de pessoas que acreditam que a fachadas das suas casas são mais importantes do que uma manifestação da cultura popular que traz alegria, felicidade, reafirma laços de amizade, algo autentico e genuinamente Bonfinense. “Pra ter animação na festa São João só presta puxando fogo.”

Por Rodrigo Wanderley, Senhor do Bonfim

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