A Vaia por Álamo Pimentel

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A cerimônia de abertura dos jogos olímpicos no Brasil incluiu na sua produção oficial a expectativa da vaia contra o presidente interino. A grande mídia divulgou que partiu do próprio Michel Temer a inciativa de solicitar a supressão do seu nome no ato inaugural das olimpíadas em solo Brasileiro. O vexame público já era esperado por todos.

A vaia expressa uma performance coletiva de protesto à conduta de indivíduos, que, em alguma medida, ocupam posições sociais de destaque na vida pública. O coro sonoro da última vogal do nosso alfabeto expõe qualquer personagem de destaque da cena social ao vexame. Quando isso ocorre em momentos apoteóticos com hipervisibilidade midiática não há como abafar o grito. Sob a pressão da plateia no Maracanã e diante das lentes de todo o mundo, o presidente interino fracassou na tentativa de evitar o testemunho do povo quanto ao papel histórico que cumpre neste momento. Assumiu o poder pela porta dos fundos da democracia representativa e foi reprovado numa janela aberta para o mundo pela porta da frente da democracia participativa na mais famosa arena do país.

Houve vaias com a simples aparição da imagem do presidente interino nos telões do Maracanã. O protesto sonoro ganhou força quando a única frase feita rompeu o silêncio blindado do mandatário de ocasião. Enquanto o povo vaiava, a diplomacia pitoresca do camarote oficial exibia aplausos constrangidos. Nos comentários dos jornalistas que forjam opiniões favoráveis ao chefe do golpe contra a democracia brasileira, tentativas graciosas de relativização das vaias: “é o Maracanã, aqui até um minuto de silêncio é vaiado”- dizia uma reconhecida voz masculina da Rede Globo de Televisão. Em seguida a dupla de comentaristas tentou uma emenda: “mas foi uma vaia para o Temer, que já esperava. Reagiu do jeito dele”. Diante daquele fato qualquer condescendência estava fadada ao fracasso. Aliás, o coro popular elevou o fracasso das instituições públicas no Brasil do presente como símbolo paradoxal da hospitalidade que oferecemos neste momento, aos participantes do maior espetáculo da exacerbação das disputas pelo sucesso.

A máscara da seriedade fixou a rigidez das aparências do presidente na exposição ao ridículo. A descontração teatral dos comentaristas da Rede Globo tentou flexibilizar a dureza dos fatos. Eles jogam no mesmo time. Disputam o poder por meio da espetacularização da farsa como garantia de apagamento histórico da tragédia que consome a nossa democracia. Não é demais lembrar que na última década da nossa história a Rede Globo foi derrotada em todas as suas tentativas de eleger presidentes da República. A única eleição ganha até o momento foi indireta, ainda está em vias de consolidação e resulta de uma bizarra e bem sucedida aliança política com as três esferas do poder comprometidas com o golpe (e com a participação efetiva dos detentores de grandes fortunas). Em tempo de Olimpíadas a rejeição pública ao representante da maior instância do poder executivo Brasil é motivo de celebração do ‘jeito Temer de ser’ por parte dos seus patrocinadores.

Da parte do povo fica a memória do protesto espetacular. Nestes quase três meses de permanência no cargo do presidente interino este foi o primeiro protesto contra a sua conduta pública amplamente divulgado pelos meios de comunicação que o apoiam. As vaias não relevaram apenas o protesto popular. Elas também revelaram o tratamento que é dado à informação na distorção dos fatos para o controle da opinião com o firme propósito de sustentação das oligarquias midiáticas que sempre nos governaram. Ocorre que após a redemocratização do país, os oligarcas da mídia  nos governam hoje sob a forma de uma ditadura graciosa que dispensa a força das armas, graças à competência dos seus serviçais na fabricação do entretenimento deformante da nossa mentalidade política enquanto Nação.

As vaias do dia 05 de agosto foram políticas e marcaram os investimentos milionários do espetáculo de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio com a estética do fracasso da democracia no Brasil. Os jogos de luz e sombra que laboriosamente revelaram a grandeza do evento não esconderam a indignação honesta da multidão de brasileiras e brasileiros presentes no espetáculo. Vaias esperadas, vaias recebidas. As vaias foram além. Orquestraram vozes de uma multidão até agora sufocada pela República das Novelas. Introduziram o grito coletivo de protesto como performance da participação popular na nossa atual tragédia. Provamos ao mundo que sabemos produzir beleza com o luxo e o lixo da nossa história.

Álamo Pimentel, juzeirense, poeta, ensaísta, especialista em Antropologia, doutor em Educação, pós doutor em Sociologia do Conhecimento, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

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