Suicídio: “É no silêncio que a tragédia se propaga”, diz Psicanalista clínica Deisi Fabiane Schmitz

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Nos últimos dias a redação do Portal Preto No Branco tem recebido informações sobre jovens da região do Vale do São Francisco que cometeram ou tentaram cometer suicídio.

De acordo com estudos, 9 em cada 10 casos podem ser evitados e falar sobre este assunto pode sim salvar vidas.

Consideramos de extrema importância abordar este tema, como forma de prevenção. Sem julgamentos ou especulações. Abordar com seriedade e com a intenção de prevenir,  já que o comportamento que pode levar à morte passa por algumas etapas, como irá explicar  ao PNB, a Psicanalista clínica, com dedicação ao estudo e compreensão dos comportamentos autodestrutivos, Deisi Fabiane Schmitz.

Ela é membro do Grupo de Estudos Psicanalíticos do Vale do São Francisco, Coordenadora do Núcleo de Prevenção de Suicídios do Vale do São Francisco e do Grupo Terapia Depressão.

Entrevista-Por Sibelle Fonseca

PNB: Quais as causas do suicídio. Elas são as mesmas entre adolescentes e pessoas adultas?

D.F: As causas do suicídio são várias, chamamos de fatores de risco, fatores que predispõem e que precipitam um ato suicida. Há a influência da genética, elementos da historia pessoal e familiar, fatores culturais e socioeconômicos, acontecimentos estressantes, traços de personalidade e de transtornos mentais. Dentre os fatores que  predispõem podemos citar os transtornos psiquiátricos, doenças incapacitantes e/ou incuráveis, abuso sexual na infância, suicídio na família, tentativa anterior de suicídio, isolamento social, impulsividade, agressividade. Já dentro da categoria dos fatores que precipitam o ato suicida, podemos citar as desilusões amorosas, o uso de drogas e derrocada financeira entre os principais. O ato de tirar a própria vida pode ser multideterminado, ou seja, é um conjunto de fatores de diferentes naturezas, que se combinam de modo complexo e variável, que podem estar relacionados ao ambiente ou mesmo internos ao indivíduo, cabe lembrar que, se ao vivenciar um acontecimento doloroso ele consegue encontrar soluções para o problema, se ele dispõe de alternativas válidas para enfrentar, como a resiliência, a capacidade de resolver problemas, habilidades de relacionamentos sociais, o risco será reduzido, contrabalançando os fatores que podem trazer risco e a forma de enfrentar as dificuldades apresentadas.

PNB São os mesmos fatores entre adolescentes e adultos?  

D.F: Podemos afirmar que os adolescentes são mais propensos à impulsividade, ao imediatismo, também tem uma peculiaridade que se relaciona com a maturidade emocional, e isto lhes traz dificuldade de lidar com episódios de estresse agudo como acontece  nos términos de relacionamentos, as situações que provocam vergonha e humilhação, o bullying, a rejeição pelo grupo social, o fracasso escolar, as notas baixas, a perda de algum familiar ou amigo querido,  estes são alguns acontecimentos que podem desencadear um comportamento mais destrutivo. Já entre os adultos estes fatores são menos encontrados, mas não podemos afirmar que não ocorram, mas percebemos outros um pouco mais acentuados, como por exemplo as questões relacionadas à perda de emprego e condição financeira para prover a família, as desonras, os conflitos e rupturas de relacionamentos amorosos e familiares e no caso dos idosos, a sensação de desesperança e abandono muito presente.

PNB: Qual o papel da família? E da sociedade? 

D.F: A família tem um papel importantíssimo como vimos, desde criança a família significa proteção, amparo, apoio. Os laços familiares são considerados um fator de proteção para o comportamento suicida, ou seja, contar com a família ajuda a proteger este indivíduo. Um estudo na Universidade de Minessota, EUA, mostrou que famílias, pai, mãe e filhos que mantinham o habito de reunir-se para as refeições apresentavam resultados melhores em relação a uso de drogas, desempenho escolar e comportamento suicida. As famílias têm cedido espaço para a internet, substituindo as relações humanas, o contato físico, o olho no olho, o toque, a demonstração física de um sentimento tem encolhido nas famílias, quando esta convivência em família também pode apresentar eventos de violência domestica, sem suporte emocional e piorar o estado mental dos seus membros. Assim também a sociedade, que antes protegia mais os indivíduos, hoje mostra uma realidade bastante individualista. O desamparo certamente está relacionado com os casos de depressão, o sentimento de abandono, de falta, de carência. Há o aspecto de sociedade idealizada para o êxito, o sucesso, a riqueza, a beleza,o consumo, e os padrões tidos como modelos excluem aqueles que estão fora do tom ditado, e isso gera ansiedade, diminui a estabilidade emocional, o sujeito se sente perdido,  cria um vazio que pode ser preenchido de forma nem tanto saudável e que pode comprometer sua vida.

PNB: Há uma omissão na abordagem e enfrentamento deste problema pela sociedade?

D.F: Omissão se mostra quando não falamos sobre suicídio, ainda existe um grande tabu relacionado a crença de que se você falar, pode atrair, isso é irreal, compara-se aos tempos passados, as doenças sexualmente transmissíveis, o câncer são exemplos parecidos, após a abordagem, após as pessoas conhecerem sobre riscos, onde ter acesso a prevenção, diminuíram as mortes em decorrência. É necessário falar, divulgar, ajudar, e principalmente escutar as pessoas, é no silêncio que a tragédia se propaga.

 PNB: Como a escola deve tratar o tema? Os profissionais estão preparados para abordá-lo com os alunos?

D.F: O papel da escola é importante também, a escola é um grupo social privilegiado e que ainda não reúne as competências ideais para abordar o assunto, a sociedade, as famílias se privam deste tema, ele pode provocar tristeza, dor, angústia e por isso é evitado, as pressões pelo desempenho escolar é um grande fator de risco, salientando não a limitação, mas como uma incapacidade que pode ser um peso emocional bastante difícil de ser suportado pelo jovem. Mas as escolas, com ajuda de outros profissionais, tem buscado auxiliar suas equipes a abordar assuntos que valorizam a vida, que ajudam a lidar com as questões emocionais, algumas inclusive alertando as famílias sobre o comportamento dos filhos e com resultados bastante positivos, mas há de se chamar a atenção para a abordagem para não provocar o efeito contrário como também já pudemos ver em alguns casos, mais parecendo um incentivo do que a prevenção como objetivo final.

 PNB: A ausência de um profissional em comportamento(psicólogo,psicanalista) nas escolas agrava a deficiência das instituições em trabalhar o tema suicídio?

D.F: Precisamos ter o entendimento de que o homem se faz em três aspectos, físico, emocional e espiritual, e as questões emocionais tem sido relegadas pela maioria das pessoas, então se a escola puder contar com um profissional que atue na área de saúde mental, emocional será uma diferencial positivo, um ganho enorme, com um olhar voltado para o bem estar psíquico e quando houver sofrimento nesta área, poderá intervir, acolher tanto o aluno como os integrantes da equipe. O tema suicídio é uma demanda atual e que precisa sim ser considerada também nos ambientes escolares.

 PNB: Há diferença nos índices, considerando meninos e meninas?

D.F: As estatísticas mostram que pessoas do sexo masculino cometem mais suicídio do que as mulheres, porém as mulheres tentam mais do que os homens, este dado é da Organização Mundial de Saúde, que também chama a atenção para a dificuldade em relação aos dados reais de casos, muitas pessoas não registram a morte como sendo suicídio e muitas tentativas nem chegam a ser notificadas, temos aí um problema em relação a conhecer o numero de casos que verdadeiramente ocorrem.

PNB: A popularização da internet, o advento das redes sociais contribuiram de alguma forma para agravar o problema?

D.F: Infelizmente acredito que possa ter contribuído, quando se tem grupos que incentivam o ato suicida por meio de desafios e tem como publico alvo os adolescentes, que por característica da fase ainda estão emocionalmente vulneráveis e com acesso irrestrito e liberado ás redes sociais, temos sim um acesso maior ao risco, as famílias precisam assumir uma parcela maior na fiscalização da conduta do adolescente, não significa punir ou proibir, mas orientar, apontar os riscos e perigos e se necessário buscar ajuda de um profissional, como falamos anteriormente, as relações familiares tem diminuído o contato, as refeições juntos estão cada vez mais ausentes, e as redes sociais acabam ocupando o vazio deixado pelo convívio familiar.

PNB: Recentemente, o jogo “Baleia Azul” assustou a sociedade mundial e no Vale do São Francisco não foi diferente,com casos de suicídio de adolescentes. Que leitura a senhora faz deste “jogo?” O que leva um adolescente a acessar este tipo de “jogo”? O Baleia Azul é um gatilho para jovens que tenham predisposição ou tem o poder de incentivar e levar ao suicídio os que estão em boas condições de saúde mental? 

D.F: Estes desafios  que foram conhecidos recentemente já existem com outros nomes, algumas características diferentes, mas que sempre tiveram a pretensão de que pessoas vulneráveis emocionalmente se deixem levar e até mesmo se machuquem. Na adolescência vemos que a necessidade de autoafirmação está sendo construída, e um desafio como este alimente a falsa ideia de superar os níveis estabelecidos, e como vimos recentemente, não é a Baleia Azul e sim a fragilidade destes jovens que acarreta o maior risco.  Em todos os casos de comportamento suicida, o sofrimento psíquico é muito presente, seja pelas pressões impostas pela convivência social e familiar, as decepções, frustrações, e principalmente uma angústia desmedida que assolam este sujeito.

PNB: O suicídio está associado a um histórico de sofrimentos psíquicos? Tem algo a ver com hereditariedade?

D.F: Sobre hereditariedade não se pode afirmar, existe um risco elevado entre famílias com algum caso de suicídio, atribuindo-se principalmente pelas emoções e sentimentos que uma morte podem representar, mas é precipitado afirmar que tenha como causa a hereditariedade, como disse, é um conjunto de fatores que se interrelacionam e que podem desencadear este comportamento.

 PNB: É mais comum em mulheres? Por que? Quais os comportamentos suicidas que devem ser considerados? Jovens que se auto-mutilam são suicidas em potencial?

D.F: O comportamento suicida não escolhe sexo, gênero, classe social ou econômica, é certo dizer que os homens cometem mais suicídio que as mulheres e que as mulheres tem os índices mais elevados em tentativas.

A automutilação pode ser considerada uma tentativa de suicídio se o sujeito tiver a intenção de ferir-se com desejo de morrer, atualmente temos conhecimento de muitos jovens que buscaram na automutilação uma forma de expressar o sofrimento psíquico, externando através dos ferimentos para o corpo físico, há de se levar em consideração esse comportamento e o histórico emocional deste sujeito, sem julgamentos, sem preconceito, este pode representar um pedido de ajuda, de socorro.

PNB: Como o suicídio deve ser tratado? Que leitura a senhora faz da abordagem da mídia em relação ao tema? Divulgar ou não divulgar? Como a mídia deve tratar o tema?

D.F: Ultimamente temos visto um maior engajamento da mídia na divulgação do tema, isto é importante e necessário, a partir do momento que é tratado para esclarecer, informar onde se pode buscar ajuda profissional conforme preceitua a Organização Mundial de Saúde, porque do contrario, se não houver cuidado ao divulgar, pode inclusive incentivar outros casos e não é este o objetivo. Seguindo esta orientação, existe uma cartilha para os profissionais de imprensa, traçando as diretrizes de como este assunto deva ser tratado, inclusive, no próximo dia 29/05, juntamente com a Uneb estamos propondo uma Roda de Conversa sobre o assunto e no dia 01/06 um workshop para discutir com estes profissionais maneiras adequadas de divulgação.

PNB: Como funciona o Núcleo de Prevenção de Suicídios do Vale do São Francisco?

D.F: Acreditando que o comportamento suicida é um comportamento que pode ser prevenido, o Núcleo de Prevenção de Suicídios do Vale do São Francisco reúne-se periodicamente para estudo e anualmente tem-se engajado na campanha do Setembro Amarelo, recentemente, adquirimos também a característica de grupo de trabalho e ampliamos as ações, oferecendo palestras relacionadas ao tema da prevenção em escolas, para famílias, e incentivando outras ações que se relacionem a valorização da vida, bem maior de qualquer indivíduo. Colocando-nos a disposição e com o desejo de diminuir o sofrimento dos outros, temos nos dedicado ao assunto Prevenção de Suicídio. E se você conhecer alguém que possa estar numa situação de sofrimento, converse com a pessoa, ofereça sua escuta e sua ajuda e se necessário,  procure um profissional de saúde mental, não espere!

Contato de Deisi Fabiane Schmitz: e-mail: deisifabiane@gmail.com

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