
No cenário da sociedade atual, tentar conceituar os papéis de cada uma dessas instituições torna-se quase impossível. Percebemos que de um lado a família se formata em novos modelos e a relação parental que antes era pautada na figura de autoridade dos pais é substituída pela autonomia dos filhos. Do outro lado, se apresenta a escola numa certa inconformidade com o que recebe das famílias, passando a exercer não só a função pedagógica, mas também a de educar as crianças, ou seja, socializá-las por completo.
Mas afinal, de quem é a responsabilidade de educar os mais novos? Uma função que era dada exclusivamente aos pais até o final da década de 50 e que se ampliou às escolas a partir da década seguinte. Nessa época o binômio “educação e desenvolvimento” era o eixo central da política educacional no Brasil, fundamentada na teoria do “capital humano”, promovendo a idéia de que o sujeito educado era sujeito de grande potencial para o mercado de trabalho, credenciando a escola como o caminho para a mudança das condições individuais.
Até 1959 essas duas instituições eram bem separadas, cada uma com o lugar definido na formação do indivíduo, mas hoje os papéis parecem estar embaralhados e existe uma grande dificuldade para os adultos em saber de quem é a responsabilidade de educar seus filhos, sendo este entendimento para as crianças, uma dificuldade ainda maior. Isto porque vivem no meio desse fogo cruzado, ora como protagonistas, ora como testemunhas desse embate narrativo, promovendo uma desautorização das duas instituições enquanto provedoras da educação.
A socialização primária (feita pela educação em família) muitas vezes é deficitária e a escola enquanto espaço de ensino-aprendizagem expande o leque de suas funções, passando a dar conta não só da formação pedagógica (socialização secundária) como também da integração das crianças no mundo. Em vários casos é também a instituição de ensino que percebe os sintomas característicos de sofrimento psíquico e os profissionais da área de saúde mental recebem os encaminhamentos para os mais variados tipos de tratamentos.
As famílias estão cada vez mais comprometidas com a modernização dos valores e princípios e isso gera dúvidas e insegurança. O medo de errar e não saber dar conta da criação dos filhos faz com que a “terceirização” seja fato. É preciso acalmar os corações: percorrer “o” caminho escolhido significa apenas percorrer “um” caminho, não importa se está certo ou errado, afinal, o que seriam essas definições? O importante é escolher com segurança, sem culpa. Jamais saberemos se nossas escolhas trarão resultados positivos. Educar é uma tarefa de pais, cuidadores e também da escola, mas se a responsabilidade é jogada de um lado para o outro, a criança sai perdendo e não só a sua educação fica negligenciada, mas a sua própria percepção enquanto sujeito pertencente ao mundo. Desconhece não só o lugar que ocupa, como também a importância do mesmo, comprometendo a estrutura psíquica ainda em formação.
Por Luciandra Pinheiro Cabral
Psicanalista com especialização em psicoterapia infantil pelo Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL) em Recife.


