Pelas ruas do centro de Juazeiro, ressoam sons e ritmos em reverência a chegada de um rei fanfarrão, glutão, dionisíaco: Sua Majestade, o Rei Momo. Preparem a fantasia, a blusa do bloco e sintam todo o calor que emana das pessoas, os três dias de festa carnavalesca vão te retirar da sala de estar e instaurar toda irreverência, alegria e inventividade. Chegou, chegou, meu carnaval…
Há séculos, o carnaval tem sido a mais forte expressão da manifestação popular. É da rua e pelas ruas que o povo manifesta a sua alegria, o protesto e expõe o que há de mais espontâneo na sua cultura: o riso, o humor, a crítica, a picardia. Tudo cabe nesse balaio. Homens com trajes femininos, mulheres colombinas, moças com trajes masculinos…Quem dirá qual é o gênero? É necessário? O deus dionisíaco Baco diria: festeje, caia na folia!
Pode parecer uma banalidade interromper o ritmo da vida cotidiana três para se dedicar a uma festa. Mas não é. O carnaval é uma festa transgressora. Ocupamos a via pública, avenidas, becos e ruas para manifestar a nossa indignação, o descontentamento com a imposição de um Estado que beneficia elites, o capital financeiro ou como palco de uma inventividade popular para espantar os dias de desventura.
Os artistas sabem a importância dessa festa e por isso expõem com alegria a força da cultura popular. Esqueçam a cultura erudita, o salão de festa ou o camarote, festa carnavalesca é o povo em festa pelas avenidas, vielas e becos, com batuques, sons, músicas, marchinhas.
Foi assim pelas ruas de Juazeiro que nos anos 1930 surgiu o folheto musical, O Banjo. O jornalista e compositor de marchinhas Zezito Assis e seus amigos Zeca Viana, Edson Lima e José Custódio criavam as músicas para serem entoadas pelo folião juazeirense e pelos clubes Turunas e Zero.
Irreverentes, esses compositores pareciam traduzir os sentimentos de uma juventude boêmia que percorria a Rua da Alegria, no centro de Juazeiro, para conquistar as moças frajolas, brincar no Clube dos Celibatários, bloco carnavalesco em que os homens se fantasiavam de mulheres, e também viver da arte popular. Zezito Assis reproduzia e vendia as partituras musicais das composições e o folheto musical.
Em um período em que não se produzia ainda vinil localmente, o jornal fazia circular as músicas que seriam cantaroladas a plenos pulmões para ficar na cabeça do povo durante o festejo. As canções falavam do amor pela morena, dos bambas, da malandragem e dos anseios de uma juventude que queriam dar à fuzarca, à folia, à troça.
Os tempos mudaram, hoje os hits musicais do carnaval explodem nas redes do whatsapp e facebook. Algumas músicas são produzidas gerar polêmicas – é na polpa da bunda ou que tiro foi esse – e ter o seu momento de glória, mesmo que reproduzam violência, assédio ou a intolerância que estamos vivenciado no dia a dia.
Mas o carnaval ainda mantém o espírito de saudar a cultura popular. Nesses dias de reinado de Momo pelas ruas de Juazeiro, também há espaços para marchinhas e gente criativa que não perde a oportunidade de mostrar que a cultura popular continua viva, como os compositores Ailton Nery, Manu Fonseca, Raphael Leal e cantores como Rogério Leal, Alan Cleber, P1 Rapers, Soda Solta e tantos outros músicos juazeirenses que estarão na avenida cantarolando para foliões.
Já é carnaval, Juazeiro! Já podemos ouvir o som da mais nova marchinha… “O Nego D´Agua se encontrou com a Iara / O Santiago balançou a praça. É bossa nova na multidão / No Carnaval Eu, você, João…”
Andréa Cristiana Santos é jornalista e professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).