(foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)
A denúncia apresentada nesta terça-feira (21) pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, tem como base um relatório da Polícia Federal que citou não haver evidências da participação dele nos crimes investigados.
Mesmo sem ter sido indiciado ou investigado, Glenn foi denunciado na operação Spoofing, que investiga invasões de celulares de autoridades.
O Intercept publicou, em 2019, conversas atribuídas ao então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e a procuradores da Operação Lava Jato. Segundo o site, Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores, o que, para o Intercept, evidencia parcialidade do então juiz.
Na denúncia contra Glenn, o MPF cita crime de associação criminosa e crime de interceptação telefônica, informática ou telemática, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Ainda de acordo com o MPF, Glenn “auxiliou, orientou e incentivou” o grupo de hackers suspeito de ter invadido os celulares de autoridades durante o período em que os delitos foram cometidos.
No entanto, um relatório da PF de dezembro de 2019 – feito a partir dos mesmos diálogos listados pelo MPF – aponta que “não é possível identificar a participação moral e material” do jornalista nos crimes.
Veja, abaixo, o que dizem PF e MPF sobre os diálogos de Gleen com os hackers:
Em relatório de dezembro, PF disse não haver evidências contra Glenn
Em dezembro de 2019, o delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha divulgou um relatório feito com base nos diálogos interceptados que deram origem à operação Spoofing. Glenn é citado e participa das conversas, mas, ao fim das investigações, a PF decidiu não incluí-lo entre os indiciados.
É esse documento que baseia a denúncia contra o jornalista apresentada nesta terça pelo MPF.
Para a PF, não há “evidências” de que Glenn participou dos crimes. “Pelas evidências obtidas até o momento, não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados”, escreveu o delegado Zampronha na página 168 do documento.
“Do mesmo modo, em relação ao crime de receptação, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, para a configuração do tipo penal, o objeto material do crime deve possuir valor econômico intrínseco, o que não é verificado no caso.”
(Foto: Divulgação)
MPF diz que Glenn teve ‘clara conduta de participação no delito’
Na denúncia, o MPF publicou a íntegra do diálogo entre Glenn e Luiz Henrique Molição. A conversa ocorreu logo após a ter saído na imprensa que o celular do ministro da Justiça, Sergio Moro, havia sido invadido. Segundo o MPF, Molição ligou para Glenn para saber o que deveria fazer com os arquivos das conversas interceptadas.
A denúncia cita que a conversa mostra que Glenn “sabia que o grupo não havia encerrado a atividade criminosa e permanecia realizando condutas de invasões de dispositivos informáticos e o monitoramento ilegal de comunicações e buscou criar uma narrativa de ‘proteção à fonte’ que incentivou a continuidade delitiva”.
De acordo com o MPF, em um dos trechos o jornalista sugere ainda que o hacker apague as mensagens “de forma a não ligá-los ao material ilícito, caracterizando clara conduta de participação no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.
O trecho que, para o MPF, indica o pedido de Glenn ao hacker é reproduzido na página 61 da denúncia e está destacado em vermelho. Nele, o jornalista diz: “Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?”.
Veja, abaixo, reprodução do trecho da denúncia do MPF e do diálogo:
(Fotos: Divulgação)
A denúncia do MPF contra Glenn
Dias antes de o Intercept publicar, em junho 2019, conversas atribuídas a Moro e a procuradores da Lava Jato, investigações da Polícia Federal haviam mostrado que celulares das autoridades haviam sido hackeados.
Um dos investigados, o hacker Walter Delgatti Neto, afirmou em depoimento que repassou o conteúdo das conversas a Glenn Greenwald.
Uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedida em 2019, determinou que o jornalista não fosse investigado na Spoofing. O MPF informou que Glenn não foi investigado, mas que indícios contra ele surgiram a partir das apurações sobre os hackers. Por isso, segundo o MPF, ele foi denunciado mesmo sem ser investigado.
Em nota, a defesa de Glenn afirmou que a denúncia é um “expediente tosco” que desrespeitou a decisão do ministro Gilmar Mendes. Disse ainda que o objetivo da denúncia é depreciar o trabalho jornalístico realizado pelo Intercept.
O site disse em nota que a ação do MPF é uma tentativa de criminalizar não apenas o trabalho do veículo, mas de todo o jornalismo brasileiro. “Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse”, afirmou o Intercept.
O Ministério Público também denunciou o grupo que já vinha sendo investigado no caso:
Walter Delgatti Netto
Thiago Eliezer Martins Santos
Danilo Cristiano Marques
Gustavo Henrique Elias Santos
Luiz Henrique Molição
Suelen Oliveira
A apresentação da denúncia não significa que as pessoas apontadas pelo MPF sejam culpadas. A Justiça ainda tem de analisar o caso e, se entender que há indícios de crimes cometidos, determinar a abertura do processo. Só então os investigados viram réus e, ao final do processo judicial, são absolvidos ou condenados.
A denúncia do MPF foi distribuída ao juiz federal Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília. Ao analisar o documento, ele poderá receber ou rejeitar as acusações contra cada um dos sete denunciados. Quem tiver a denúncia aceita passa a ser réu no processo, mas não há um prazo definido para que isso ocorra.
Se a acusação for rejeitada, o MPF pode recorrer, pedindo reconsideração. Após essa primeira análise, o processo contra os réus vai a julgamento, em data a ser marcada.
Em nota, o advogado de Walter Deltatti, Sulen Oliveira e Gustavo Henrique Santos afirmou que a denúncia sobre seus clientes “tão somente confirma que as acusações que recaem sobre meus clientes são de cunho político, desprovidas de qualquer embasamento técnico”.
Também cita que desrespeito a “diversas garantias constitucionais e legais, afrontando, inclusive, grande parte da Doutrina Criminalista deste país”.
O G1 entrou em contato com a defesa de Danilo, mas ainda não havia recebido uma resposta até a última atualização desta reportagem. O G1 tenta contato com a defesa de Thiago Eliezer.
G1