Respeitável Público: Por onde anda o Circo em Tempos de Covid-19?

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Na arquibancada seus olhos se encantavam com o equilíbrio do malabarista, a alegria do palhaço, que te arranca gargalhadas, a coragem do trapezista, a magia do mágico e do espetáculo. Mas, hoje a realidade é outra: são lonas guardadas e artistas circenses sem perspectivas de retorno.

Com a pandemia da Covid-19, esses circenses, que emocionam com sua arte, vivem uma crise financeira e precisam o tempo todo se reinventar para driblar a interrupção das atividades culturais como medida para conter a expansão do novo coronavírus, e sentem na pele a ausência do público. “Nosso maior cachê é o público, o aplauso, o dinheiro faz parte disso tudo, mas nós estamos conseguindo sobreviver sem o dinheiro,” comenta o produtor André Felipe, do Núcleo Itinerante Marcos Frota Show, que está localizado em Jacobina-BA.

Quem vive de Circo Itinerante, que circula entre cidades, sabe que tem que lidar com as incertezas e a necessidade de adaptação: morar em trailer, viajar constantemente, buscar a recepção das novas cidades, mas os artistas de circos não estão preparados para uma pandemia, que já matou mais de 450 mil pessoas no país.

Em 30 de Julho do ano passado, a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), vinculada ao Ministério da Cidadania, realizou a pesquisa de Mapeamento dos Circos no Brasil, que identificou que 9.759 pessoas dependem das atividades provenientes do circo, abrangendo 651 unidades em todo o país. Cerca de 80% dos empreendimentos circenses estão concentrados no Sudeste (248) e Nordeste (271), e os 20% restantes nas demais regiões.

 

O Núcleo Itinerante Marcos Frota Show viajava pela Bahia a fim de realizar apresentações em 28 cidades. Mas foram realizadas em apenas duas, Juazeiro e Senhor do Bonfim. Foi quando chegaram em Jacobina e tiveram suas atividades interrompidas em decorrência da Pandemia da Covid-19. Surpreendidos, aportaram há 18 meses na cidade. Atualmente, cerca de 30 famílias dependem da atividade circense desse núcleo, e alguns até retornaram para suas cidades.

Lei Aldir Blanc e o incentivo à cultura

Com interrupção das atividades, foi necessário recorrer ao auxílio e políticas públicas para os artistas. A alternativa foi instituir a Lei 14.070/2020, Aldir Blanc, sendo decretado o repasse de R$ 3 bilhões para Municípios e Estados, posteriormente entregues aos artistas para uma renda emergencial, realização de eventos, manter instituições culturais e outras atividades.

Segundo o pesquisador e professor do curso de Teatro da Universidade do Estado da Bahia, Campus Senhor do Bonfim, José Benedito de Andrade, “a Lei Aldir Blanc apontou uma esperança e muitos artistas foram contemplados recebendo um auxílio. O recurso, no entanto, não foi suficiente para atender todos os artistas e linguagens”.

Desenvolvendo estudos sobre a atividade circense, o pesquisador comenta sobre os problemas de gestão entre Governo, Prefeitura e Estado com relação ao setor cultural, principalmente os profissionais circenses que estavam fora das suas cidades natais e não

puderam retornar. Como são artistas itinerantes, as prefeituras devem atender demandas especificas, como, por exemplo, declarar os artistas como cidadãos em registo, para que recebam os auxílios destinados a eles. “É necessário construir políticas públicas que garantam com equidade a possibilidade dos itinerantes terem um registro específico, para que possa ser respeitada a sua condição e comprovada sua residência como indica o código civil Art. 72, que considera domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida”, esclarece Benedito.

Em Jacobina-BA, os artistas circenses receberam a verba da Lei Aldir Blanc, através da mediação da prefeitura, e que foi destinada à manutenção do circo, por haver um desgaste natural do material parado. Mas, não é o suficiente para manter todos os custos. O circo conseguiu também junto a administração do Município a disponibilização de um espaço para a instalação do picadeiro, reduzindo a despesa de infraestrutura.

 

Alternativas de Emprego

Além da beleza do espetáculo circense, há um custo que nem sempre é visto. Para erguer as lonas, o circo precisa pagar taxas de serviços de alvará, custear água, energia elétrica, anotação de responsabilidade técnica (ART), que obrigatoriamente precisa ser outorgado por um profissional de engenharia e entre outras licenças e burocracias que as cidades implementam. Também, precisa ter dinheiro para custear cachês dos artistas, equipe técnica e transporte dos materiais do circo.

Dessa forma, o auxílio é inferior às despesas que há, por isso, muitos artistas circenses foram buscar alternativas de emprego, como: fretes de mudanças, venda de produtos artesanais, biscoitos e doces. E, claro, receberam doações da população e de organizações religiosas.

O Núcleo Itinerante Marcos Frota Show buscou outras alternativas na cidade, os circenses passaram a prestar serviços em parceria com empresas locais. Venderam bolo de pote, salgadinhos, para sanar as necessidades pessoais.

Nesse período de Pandemia, é importante o alinhamento dos Órgãos Públicos para com a comunidade circense, pensando nas políticas públicas e reduzindo os danos. “ É preciso realizar algumas ações imediatas como: auxílio emergencial para alimentação, água, remédios se for o caso e infraestrutura como energia elétrica, água e esgoto para instalação dos

banheiros. Conferir o público estudantil e matricular crianças e jovens em idade escolar, garantindo auxílio a merenda escolar e tecnologia para as aulas remotas”, explica José Benedito.

Em Jacobina, o circo conseguiu apoio através de parcerias com colégios locais e têm todas as crianças e adolescentes matriculadas e estudando de forma remota.

José Benedito, pesquisador da Uneb e professor do curso de Teatro

 

Solidariedade e Acolhimento da Comunidade

É nesse cenário que as relações interpessoais fazem a diferença. Em Jacobina-BA, a comunidade circense teve um enorme acolhimento do público: “As pessoas receberam a gente de uma forma muito bacana, muito solidária, é gratificante”, diz André Felipe. Além do apoio da prefeitura e negociações feitas com as empresas, as doações da população são constantes. O produtor admira a solidariedade das pessoas, pois a pandemia atinge a todos, mas ainda há esse olhar para com o outro.

O circo realizou um Festival Online, com oficinas de maquiagem artística e acrobacia com cama elástica, apresentação de espetáculo e palestra sobre a atividade circense no Brasil. No atual momento, se reinventam e buscam não deixar que a magia do espetáculo se perca. Eles desenvolveram um projeto de “Escolinha de Circo” para as crianças, e estão articulando com a prefeitura de Jacobina para colocar em prática a ação após retorno das atividades.

No momento, se preparam ansiosamente para o grande retorno e pensam no dia que possam se apresentar na cidade que tanto os acolheu.

O produtor do circo avalia que existe “uma história do Circo antes da Pandemia e outra pós Pandemia”, e que ficará marcado na história dos artistas do segmento cultural, pela capacidade de adaptação. Ele também salienta a necessidade de que políticas públicas sejam feitas de forma coletiva e em diálogo com os artistas circenses de pequeno porte, que, nessa pandemia, sofrem mais consequências.

Reportagem especial de Mariana Brasileiro para Agência Multiciência

 

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