Com um orçamento um terço menor e número de fiscais em queda, servidores de carreira do Ibama advertem sobre o risco de o órgão ambiental federal sofrer um “apagão” no ano que vem. Eles criticam o estabelecimento de metas impraticáveis impostos pela direção e a nomeação de gestores com pouca experiência na área ambiental.
O principal alerta foi dado na semana passada por meio de um requerimento assinado por 22 dos 26 chefes estaduais de fiscalização e obtido pela Folha de S.Paulo. Dirigido à coordenadoria geral de Fiscalização Ambiental, o documento propõe 12 medidas, “sob pena de interferir de forma direta e até mesmo inviabilizar a execução das ações de fiscalização ambiental previstas no Plano Nacional Anual de Proteção Anual (Pnapa) 2020”.
Prestes a ser publicado via portaria, o Pnapa é aprovado pela presidência do Ibama e estabelece o número de operações a serem feitas ao longo do ano, incluindo o período, quantidade de fiscais e custo. O combate ao desmatamento na Amazônia faz parte desse planejamento.
Para o Pnapa 2020, a previsão é de que haja um número de operações parecido ao estabelecido para este ano, 1.259. As condições para a execução, porém, serão mais adversas.
No projeto de lei do Orçamento enviado ao Congresso, o corte para 2020 foi de 31%, ficando em R$ 256 milhões. O Orçamento foi aprovado na semana passada, mas a versão final ainda não está publicada.
Para a fiscalização, estão previstos R$ 76,8 milhões em 2020, um corte de 25% em relação a este ano. Uma fonte próxima do assunto ouvida pela reportagem alerta que, com esse teto, não haverá espaço para a captação de recursos do Fundo Amazônia, formado por doações, principalmente da Noruega.
Em abril de 2018, o Ibama obteve R$ 140 milhões do fundo, para serem usados por 36 meses. Até agora, foram usados apenas R$ 57 milhões (41%). Como se trata de recurso financeiro, o dinheiro do fundo precisa se adequar ao teto, mesmo se tratando de doação a fundo perdido.
Outra preocupação é a falta de pessoal para o campo. O Ibama conta com cerca de 720 fiscais para todo o país, contra 1.600 em 2009 -redução de 55% ao longo de dez anos.
Entre as medidas pedidas pelos chefes de fiscalização estão a realização urgente de concurso para fiscais e para outros cargos técnico e a liberação sem atrasos de recursos orçamentários para a execução das operações.
Outra demanda é a nomeação exclusiva de servidores de carreira para cargos de gestão. Quase todos os superintendentes estaduais escolhidos pelo governo Bolsonaro são de fora do Ibama. Além disso, o diretor de fiscalização é um major da PM de São Paulo, Olivaldi Azevedo.
O requerimento pede também o fim da mordaça imposto pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que proibiu o contato direto dos servidores do Ibama com a imprensa.
“O emprego de estratégias de comunicação de forma a ampliar a percepção da sociedade quanto à atuação da fiscalização ambiental visa promover maior dissuasão dos ilícitos ambientais”, afirma o documento.
Os quatro chefes da fiscalização que não assinaram são do Amazonas, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de Santa Catarina. O nome formal da função é chefe da Ditec (Divisão Técnico-Ambiental).
O requerimento aponta uma dissonância entre o Pnapa e as metas globais e intermediárias anuais do Ibama. Ambas foram publicadas em novembro -com seis meses de atraso, já que se referem ao período de 1º de junho a maio de 2020.
“Das cinco metas globais definidas na portaria do Ministério do Meio Ambiente, três são atividades-meio como a digitalização de processos que, em sua maioria, independem dos servidores da carreira e são atividades executadas por terceirizados”, afirma Elisabeth Uema, secretária-geral da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema).
Segundo Uema, outra preocupação dos servidores é com a meta global de realizar ações ostensivas contra desmatamento na Amazônia em 80% “do número de alertas mais crítico”. “A portaria utiliza o termo ‘alertas mais críticos registrados’ sem definir o que seriam esses alertas e quais os parâmetros a serem utilizados para categorizá-los”, afirma.
Curiosamente, nenhuma das cinco metas globais tem temas do meio ambiente urbano. No início da gestão, Salles afirmou que a prioridade na pasta seria temas como saneamento básico, gestão de resíduos sólidos e qualidade do ar.
Com relação às metas intermediárias, que orientam o trabalho setorial das equipes, servidores apontam a ausência de temas tradicionais, como a fiscalização de pesca marítima e dos demais biomas, como o cerrado, combate ao tráfico de animais e o julgamento de multas.
Ueda afirma que há o temor de que as metas globais e intermediárias provoquem perdas salariais, já que cerca de 40% da remuneração vem de gratificação por cumprimento das metas.
Uma das apreensões é de o cálculo dessas gratificações seja feito de forma retroativa, ou seja, que a avaliação das metas leve em conta os cinco meses anteriores à sua divulgação.
No requerimento dos chefes de fiscalização, a recomendação é para a revisão tanto das metas intermediárias quanto globais. “Caso contrário, faz-se necessário rever as ações propostas no Pnapa que não estejam vinculadas ao cumprimento da meta estabelecida, considerando que a mesma impacta diretamente no salário dos servidores.”
Em dois emails diferentes, a reportagem da Folha solicitou esclarecimentos sobre o estabelecimento de metas e o Pnapa, mas só obteve resposta sobre a segunda demanda.
Via assessoria de imprensa, o Ibama informou que as metas poderão ser revisadas e que a demora em sua publicação “ocorreu em razão da necessidade de adequação das metas à nova metodologia do governo federal, mais precisamente do Ministério da Economia.”
O órgão ambiental assegurou que, para o cálculo da gratificação, “as metas não são retroativas, e sim proporcionais ao período restante. A demora em publicar a metas não prejudicará o servidor.”
Sobre a definição de “alertas mais críticos”, o Ibama afirma que “algoritmos de computação desenvolvidos a partir de critérios previamente estabelecidos pelo Ibama definirão alertas de desmatamento prioritários para atendimento”.
Contradizendo o que afirmam seus servidores, o Ibama afirma que a digitalização de processos não é feita por terceiros e tem como meta melhorar o tempo de resposta para as demandas via Lei de Acesso a Informação (LAI).
Finalmente, sobre a política de comunicação, o órgão ambiental federal diz que “entende que é importante apresentar à sociedade o trabalho realizado pelo Instituto. Não se trata de rever qualquer tipo de estratégia de comunicação.”
Fonte Bahia Notícias