A crise causada pelo presidente Jair Bolsonaro ao compartilhar vídeo que pedia comparecimento ao ato em favor do governo e contra o Congresso tornou-se o primeiro teste operacional do chamado trio da Olimpíada.
O grupo é composto por três generais de quatro estrelas, o topo da carreira, no coração do ministério: Fernando Azevedo (Defesa), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (recém-chegado à Casa Civil).
Eles trabalharam juntos, com Azevedo como o superior hierárquico, no âmbito do Comando Militar do Leste, baseado no Rio. Todos tiveram papel central na organização da Olimpíada de 2016.
Agora, formam um eixo do poder renovado da ala militar no governo, após um 2019 em que falou mais alto o núcleo ideológico encabeçado pelos filhos do presidente.
A quarta-feira era de chamas, como brincou um integrante civil do governo, e não de Cinzas no começo do dia.
O general Augusto Heleno, outro quatro estrelas que ocupa o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), estava furioso com a reação do decano do STF (Supremo Tribunal Federal), Celso de Mello, ao vídeo compartilhado.
Mello havia criticado duramente a sugestão de ruptura institucional do ato marcado para 15 de março e o papel de Bolsonaro em apoiá-lo, e Heleno deu a entender a conhecidos que seria preciso subir o tom contra o ministro.
Ramos, amigo próximo e hoje o mais influente assessor de Bolsonaro, interveio. Segundo interlocutores, ele ligou para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Davi Alcolumbre (DEM-AP), visando acalmar ânimos.
Sustentou a versão de que Bolsonaro só havia ficado emocionado com o vídeo. A peça é hagiográfica em relação ao presidente, apresentado como alguém que quase morreu para salvar o país, em referência à facada que ele sofreu na campanha de 2018.
Para Ramos, Bolsonaro não buscava provocar o Poder do outro lado da praça. Ele falou isso publicamente também.
Se os dois políticos acreditaram, é incerto, mas o contato serviu de antitérmico da crise. Braga Netto também aconselhou prudência em conversas, assim como Azevedo.
O presidente quase pôs tudo a perder ao postar, no Twitter, uma nota dúbia: dizia que o vídeo era para um seleto grupo de amigos de WhatsApp.
Ou seja, não condenou o ato em si, que tem atraído toda sorte de manifestações autoritárias —e, pior para o trio da Olimpíada, exalta militares do governo a participarem de um processo golpista.
Após várias consultas cruzadas, os panos quentes começaram a ser distribuídos. Maia divulgou uma nota com defesas democráticas genéricas, sem escalar a crise.
O mesmo ocorreu com o chefe do Judiciário, o ministro Dias Toffoli, que não por acaso tem excelente interlocução com Azevedo —o militar foi seu assessor.
No governo, foi distribuída aos ministros a ordem de evitar endossos ao protesto.
Do lado dos fardados ora com ternos, a principal manifestação veio do vice-presidente, Hamilton Mourão.
Em postagem no Twitter, o general disse que Bolsonaro não quis afrontar os Poderes e que manifestações são livres, mas desautorizou o uso de sua imagem em montagens nas quais os militares parecem estar a postos para derrubar a República.
Heleno fez o mesmo, mas de forma sucinta. Numa linha de aviso contra golpe na praça, ele também dizia que não emprestou seu nome para pedidos de dinheiro “em prol de propaganda e/ou de manifestações políticas”. E só.
Ele está no centro do palco desde que foi flagrado xingando o Congresso, que disse considerar chantagista por ameaçar derrubar o veto anunciado por Bolsonaro ao mecanismo aprovado pelos parlamentares que retira do Executivo o controle sobre R$ 30 bilhões do Orçamento.
O arranjo ao longo do dia garantiu uma vitória momentânea para os moderados, mas os fios desencapados continuam expostos no Planalto.
Um dos motivos é a própria presença maciça de fardados graduados no poder. Heleno e Azevedo são da reserva. Ramos segue general da ativa, enquanto Braga Netto anunciou que adiantará sua saída do serviço ativo.
Isso ocorreu após ele receber pressão direta do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, secundado pela maioria do Alto-Comando da Força.
Coube a um general da reserva que foi defenestrado por Bolsonaro após pressão da ala ideológica, Carlos Alberto dos Santos Cruz (ex-Secretaria de Governo), vocalizar no feriado a inadequação vista por muitos no alto oficialato sobre a simbiose Forças Armadas-governo.
O ato do dia 15 embaralha o cenário justamente por ter origem na manifestação de um general, fora a ligação feita por ativistas de elementos golpistas com a presença militar no governo federal.
Este aspecto da crise ainda segue sem encaminhamento claro, não menos porque não parece haver caminho de volta nessa identificação entre militares e a gestão Bolsonaro.
Folhapress