Sempre Aos Domingos: “É sobre isso. Ando entojada de clichês”, por Sibelle Fonseca

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Ando entojada de clichês. Cruz credo! Essa homogeneidade me incomoda. Tenho fome de autenticidade. Tudo muito repetitivo e sem originalidade. Chavões banais me enfadam. Não sou mulher de lugar comum, e sofro muito por ser assim, eu juro! Queria ir a favor da maré, mas essa minha maldita cabeça questiona, indaga demais, resiste e sofre. “Crem Deus pai!”

As gírias casuais, as frases românticas, os buquês de flores, as pessoas reais, estão fora de moda. Eu também estou.

É um tal de: “na perspectiva” de não sei o que, “no meu lugar de fala” de não sei onde, um “é sobre isso”,  e um ” e tá tudo certo”, chatos demais. 

“Faz sentido pra você”, isso aqui que penso agora? Pra mim faz, ó!

Custo a encontrar “perspectivas” dentro disso tudo. Temo que vá de mal, a pior. Lutamos por um mundo diverso, que vejo tão cheio de padrões, estereótipos, gente igual, com filtros, máscaras, dancinhas tik-tok, corrida por likes, e para se chegar aos tantos Kás.

Tá tudo muito pasteurizado. Cada produto na sua prateleira. Cada quem com sua embalagem. E eu, um peixe fora d’agua, tentando nadar no seco e morrendo de sede do original.

Os das academias, fazem exercícios “na força do ódio”, e escrevem: “treino pago”. Já sinto até saudade do “partiu academia”.

Os conservadores, só sabem falar do “petê”, cidadão de bem”, e outras asneiras mais. Uma encheção de saco!

Os coachs (ECA, os coachs!), dizem que é “só pensar positivo e tudo acontece”. Vivem em marte, é ? E lai se vem constelação familiar, vivências assadas e cozidas, mil teorias. Ensinam como ganhar isso e mais aquilo, como ser mais isso e mais esquilo. A tal da “positividade tóxica”, rebatem os psicólogos atentos. E Freud se vira por lá. 

Mas há também aquela casta de “psicólogos midiáticos, os blogueiros” que, loucos por “engajamento”, metem a zorra. Patologizam tudo, medicalizam o escambau, lançam rótulos e CIDs aos montes. Eu mesma já me encaixei como borderline (TPB) e já classifiquei muitos dos meus como esquizóides, paranóicos, limítrofes, histriônicos, narcisistas, obsessivos, dependentes compulsivos, psicopatas. Estamos lascados!

Isso sem falar nas pessoas clichês. Aquelas que estão entrando numa máquina e saindo iguaizinhas. Chamam de harmonização facial (ou seria mumificação facial?), e outros meio mundo de procedimentos. Que legal! Rostos quase iguais, muito enxerto na boca, sobrancelhas traçadas, preenchimentos, pouca ou nenhuma expressão, lentes nos dentes, cílios postiços, cabelos postiços, marquinha no rego, vulvas repaginadas, reparação nas pregas dos ânus, cabelos ultra tudo. Pessoas de plástico! Pessoas em série, tal qual se produz um copo, um relógio, um celular, um carro. Sem muita garantia de nenhum recall. 

Do lado alternativo, também, um isso e aquilo pra se enquadrar. Uma sandália de couro, uma bata, uma Frida na tatoo, ou um Che, uma touca, uma trança, um torço, uma estampa de Lula ou de uma folha da erva (boa), frases de efeito, uma pegada vegana, uma música autoral, uma série que só tem no Streaming. Tudo isso impressiona.

Aliás, a ideia é impressionar. Causar. Impactar. Cacete, são tantos os termos para dizer o que a gíria antiga só dizia “Cê quer é se aparecer”. E tá tudo bem! 

Eu, como ainda quero crescer para aparecer, vou esticar mais não. Ando, realmente, exausta! Cuidando para a amargura não me pegar. Deus me defenda dela! 

Talvez, um coach me dissesse “re-signifique”, “re-ivente-se”. Supere suas “crenças limitantes”.  

Talvez um psicólogo me indicasse “olhar para as “feridas”, “acolhê-las” e fazer um não sei o que com elas. Me recomendaria uma “ajuda profissional”, como se nós outros, provedores do pão de cada dia, pudéssemos pagar por caras sessões semanais. Vivem em Marte, é?

Ah, gente, vou recorrer ao meu velho Belchior, pra findar assim: “Amar e mudar as coisas me interessa muito mais”. É sobre isso! 

Faz sentido pra você? O que você me traz? Aberta a comentários.  

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, mãe de quatro filhos, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e uma amante da vida e de gente.

 

4 COMENTÁRIOS

  1. Por isso, prefiro o bar, ” onde tantos iguais se reúnem contando mentiras pra poder suportar “. O boteco onde não existe moda, intelectuais metidos, e o meu psicólogo é o gentil garçom, que me serve com um sorriso no rosto. Acho que sou uma espécie de velho chato em extinção.

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