O pedido de demissão de Milton Ribeiro na segunda-feira (28) não elimina os obstáculos que o agora ex-ministro e o governo Bolsonaro terão de ultrapassar para superar o escândalo sobre as suspeitas envolvendo o balcão de negócios instalado no Ministério da Educação.
Ribeiro apresentou seu pedido para deixar o governo uma semana após a Folha revelar o áudio de uma reunião em que ele afirma priorizar prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores.
Embora tenha solucionado o problema político para o governo Bolsonaro, pelo menos momentaneamente, a demissão não tem o condão de encerrar as investigações abertas pelo Tribunal de Contas da União, pela Controladoria-Geral da União e pela Polícia Federal para apurar as suspeitas de pagamento de propina para liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Os técnicos do TCU e da CGU devem se debruçar sobre possíveis falhas administrativas na liberação de verbas para beneficiar as prefeituras.
Como mostrou a Folha, dados oficiais da pasta mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados no FNDE.
Todas essas informações sobre as liberações de verbas devem ser mapeadas pelo TCU e CGU em busca de fragilidades que possam indicar atos de improbidade pelos gestores do MEC durante o governo Bolsonaro.
Nesse cenário, não só Ribeiro, mas os aliados de Jair Bolsonaro instalados no centrão, e cujas cidades apadrinhadas foram beneficiadas com recursos do FNDE, podem entrar na mira.
O atual presidente do FNDE é Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do ministro Ciro Nogueira (Casa Civil).
Na esfera criminal, por sua vez, a Polícia Federal mira crimes como corrupção, por exemplo, supostamente praticados para favorecer os indicados dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
A PF abriu dois inquéritos. O primeiro deles foi na Superintendência da PF no Distrito Federal e irá apurar as suspeitas apontadas em um relatório da Controladoria-Geral da União sobre distribuições de verbas do FNDE.
A outra investigação está na sede do órgão, no setor que cuida de inquéritos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), e tem como alvo o ministro Milton Ribeiro. Por causa da demissão e consequente perda do foro privilegiado, ainda não há definição se os dois casos serão reunidos em uma só apuração –caminho apontado como mais provável por investigadores.
A investigação aberta na PF do Distrito Federal ainda não realizou diligências. Já no caso instaurado por ordem do STF, o delegado Bruno Calandrini, na última semana, colheu os depoimentos de Ribeiro, dos pastores e dos prefeitos citados nas reportagens.
Ribeiro confirmou em seu depoimento que o presidente Jair Bolsonaro pediu que ele recebesse um pastor suspeito de atuar no balcão de negócios, mas negou qualquer tipo de privilégio ao religioso na liberação de verbas.
Segundo ele, “o presidente Jair Bolsonaro realmente pediu para que o pastor Gilmar fosse recebido, porém isso não quer dizer que o mesmo gozasse de tratamento diferenciado ou privilegiado na gestão do FNDE ou MEC”.
O advogado Luiz Carlos da Silva Neto, defensor de Ribeiro, disse à Folha em tom crítico que o objetivo das apurações em andamento é chegar não só no ex-ministro mas também atingir o presidente Jair Bolsonaro.
“A minha impressão é que apesar do excelente trabalho do Bruno Calandrini, delegado muito sério, pessoas alheias ao processos, poderosas, estão tentando interferir na investigação, para mudar o rumo, fazendo acusações que não estão no processo”, afirmou.
A expectativa entre investigadores é que após a tomada inicial dos depoimentos e a definição sobre a união dos dois inquéritos, a PF passe a seguir o caminho do dinheiro para entender como se dava a atuação dos pastores e mapear os supostos pagamentos feitos pelos prefeitos.
Um deles, Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirmou que um dos pastores que negociam transferências de recursos federais para prefeituras pediu 1 kg de ouro para conseguir liberar verbas de obras de educação para a cidade.
O pastor citado por ele é Arilton Moura. Ele era secretário da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, entidade presidida por Gilmar Santos.
Como foi o nome apontado pelos prefeitos, Moura é visto como um elo mais frágil na estrutura do suposto esquema e deve ter suas movimentações financeiras detalhadas pelos investigadores para entender se dinheiro de propina entrou em suas contas ou de parentes.
Santos, de outro lado, criou ao menos duas empresas e fez aportes financeiros nelas durante o período em que atuava no MEC. Esses fatos também devem ser apurados pela PF.
O ex-ministro Milton Ribeiro pediu demissão na segunda-feira (28). Com a exoneração, a pasta está sob a responsabilidade de Victor Godoy Veiga, então secretário-executivo. Ele foi nomeado interino na edição de quarta (30) do Diário Oficial da União.
Em uma publicação em rede social, Victor Godoy agradeceu pela indicação ao cargo e afirmou que irá atuar com “rigor para incrementar os mecanismos de transparência e integridade na aplicação dos recursos educacionais, inclusive, colaborando com os órgãos de investigação e controle”.
Jair Bolsonaro já teve três ministros da Educação: Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub e Milton Ribeiro. Nenhum deles tinha experiência prévia com formulação de políticas públicas na área de educação e tiveram gestões criticadas por educadores e especialistas. Todos se destacaram mais por declarações carregadas de cunho ideológico do que por ações desenvolvidas no comando da pasta, no período que estiveram à frente do MEC.
O mesmo ocorre agora com o ministro interino. Godoy Veiga não tinha experiência técnica com políticas de educação pública até chegar ao ministério, em julho de 2020, convidado por Ribeiro.
Folhapress