A internet, hoje com mais de 5 bilhões de pessoas conectadas simultaneamente, deu os seus primeiros passos em 1969, por meio da ARPANET, rede criada para fins militares. No entanto, foi apenas em 2010 que as redes sociais se consolidaram dentro da internet, desenvolvendo diversas comunidades online que interagiam entre si independente da localização geográfica.
A Geração Z, nascida entre 1990 e 2010, cresceu imersa em um mundo tecnológico, com acesso constante às redes sociais, à inteligência artificial e às inovações digitais. Essa conexão contínua com o ambiente virtual moldou uma geração que se tornou cada vez mais dependente dos dispositivos digitais. O uso excessivo da tecnologia, mediado principalmente pelas redes sociais, como Facebook, Orkut, X (Twitter), Instagram e Whatsapp, trouxe consigo impactos significativos não apenas no comportamento, mas também na saúde mental e nas relações sociais.
Em entrevista, a psicóloga Paula Matos destaca que é possível utilizar as redes sociais de forma consciente, mas alerta que o uso excessivo pode ter impactos negativos tanto no corpo quanto na mente. Ela ressalta que o comportamento dependente das redes sociais não afeta todos os usuários da mesma forma, sendo mais prevalente em indivíduos em fase de desenvolvimento, como crianças e adolescentes, ela complementa: “Existe um uso saudável, existe um uso problemático e existe um uso dependente. Nem todo uso problemático é dependente, mas todo dependente é problemático.”
O DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) define a dependência como o padrão de uso de uma substância que provoca sofrimento ou prejuízo clínico e impede o usuário de realizar atividades cotidianas e prazerosas, em detrimento do seu uso. Isso demonstra que, embora a dependência digital não seja reconhecida como patologia pelo cadastro internacional de doenças (CID), os malefícios do uso excessivo da tecnologia vem se mostrando semelhantes a outros tipos de vícios. Em entrevista com o pesquisador da Ricardo Bitencourt, especializado nas áreas de games aplicados à educação, cibercultura e dependência digital, ele explica: “O álcool é muito mais direto, se você bebe ou não bebe, é mais fácil ter uma percepção física, comportamental sobre isso. De maneira geral, o uso abusivo do celular se torna evidente quando o sujeito para de fazer atividades para conectado de forma constante.” Mesmo sem sintomas físicos, o vício tecnológico pode ser tão prejudicial quanto outros tipos de dependência, especialmente no que diz respeito à cognição das pessoas afetadas.
A dopamina, neurotransmissor relacionado à sensação de prazer e recompensa, é o principal afetado pelo uso excessivo das redes sociais. A psicóloga Paula Matos explica: “A gente tem alguns receptores dopaminérgicos que chegam a um ponto naquele comportamento, ele já não tem mais prazer. Então, vai precisar engajar mais tempo. Essa é a questão da tolerância. A próxima é a abstinência, uma tentativa de sair daquele engajamento, ela tenta e não consegue.[…] Outro critério é o conflito. A pessoa começa a ter algum tipo de conflito ou no trabalho ou com colegas da faculdade”.
Deixar de estar com a família para rolar o feed do instagram ou não conseguir terminar um filme sem mexer no celular são exemplos de como as redes sociais influenciam o comportamento, especialmente entre os jovens, que se mostram cada vez mais impacientes e ausentes. A adolescência é um período de mudanças físicas, psíquicas e sociais, e a exposição excessiva prejudica o desenvolvimento pleno dos jovens, em entrevista Ricardo Bitencourt alerta: “Crianças que são expostas ao celular desde cedo podem ter dificuldades em atividades motoras finas, e nas funções executivas superiores, isso leva ao problema da falta de concentração.” ressalta o pesquisador.
A dependência digital na infância e adolescência
A exposição precoce aos pequenos, afeta o desenvolvimento cognitivo e comportamental. A infância do brincar se torna a infância no celular, o que alimenta transtornos que acompanharão o crescimento dessas crianças, impactando negativamente a vida adulta. A dependência digital resulta em duas péssimas características prejudiciais, inabilidade social e ansiedade. A inabilidade social relacionada a comunicação face a face, enquanto a ansiedade é caracterizada pela preocupação constante e excessiva de que as relações sociais serão prejudicadas caso o sujeito não esteja conectado.
Jonathan Haidt, escritor e psicólogo, em seu livro “Dependência digital”, analisa o consumo de conteúdos por gênero e como isso afeta os jovens. Em sua pesquisa, Haidt percebeu que as meninas consomem mais aplicativos de interação, que reforçam a necessidade de aprovação do outro. Já os meninos, consomem mais jogos e conteúdos pornográficos, o que leva ao desenvolvimento de jovens agressivos e pouco produtivos, com baixa concentração, além de desenvolverem uma visão distorcida das relações íntimas. A dependência digital, desde a infância, contribui para o aumento dos índices de ansiedade e depressão, com um crescimento significativo a partir de 2010. Além desses sintomas, os adolescentes começam a apresentar privação de sono, sintomas de vício, e uma diminuição da relação pais-filhos. Haidt ainda destaca um ponto importante: a incidência da síndrome de “Peter Pan”, ou seja, a dificuldade de fazer a transição da adolescência para a vida adulta e suas responsabilidades.
Quando vira dependência digital?
Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídias (PBM), a maioria dos jovens utiliza a internet sete dias por semana, o que revela o quanto o celular se tornou uma extensão de suas vidas. A partir dele, esse grupo consegue estabelecer e romper relações, organizar, aprimorar e reviver experiências, além de redefinir o espaço social.
Em relação ao impacto das redes sociais, a psicóloga Paula Matos, explica: “Pode ser que a pessoa tenha apenas dependência de redes sociais, o que caracteriza um engajamento problemático. O primeiro sinal é a saliência. O segundo é a modificação do humor. […] As pessoas podem usar as redes sociais como um regulador do humor. O terceiro é a questão da tolerância, que não se limita ao campo da dependência comportamental, mas pode se manifestar também em dependência de substâncias. A tolerância refere-se ao desejo constante de mais. ”
Dessa forma, podemos entender que a dependência das redes sociais se caracteriza por três fatores: saliência, irritabilidade e alta tolerância. Ou seja, quanto mais a pessoa consome, mais precisa consumir para alcançar a mesma satisfação.
Qual a “reabilitação” para esses dependentes?
A principal reabilitação para os chamados dependentes digitais, está na prática das atividades offline, e na delimitação de uma rotina, é necessário dosar o uso das redes, Paula Matos indica: “Tentar não fazer duas atividades que exijam um nível atencional com a tecnologia. Por exemplo, eu estou estudando e estou ouvindo podcast. Não rola. Ou você ouve o podcast ou faz uma leitura. Refeição, sem tela. Pelo menos uma hora antes de dormir, se desligar, se desconectar das telas, porque isso vai impactar na qualidade do sono. E se a gente não dorme bem, a gente acaba atropelando várias outras necessidades nossas.”
Além das dicas oferecidas, hoje, já existem clínicas que oferecem a reabilitação para os dependentes digitais, funcionando a partir da terapia cognitivo-comportamental (TCC). O tratamento que acontece sem precisar de uma internação, busca fazer com que o paciente se perceba como um ser funcional e abdique do uso desenfreado das telas. A adoção dessas práticas, mesmo que aos poucos, funciona como um desmame das redes, e auxilia no desenvolvimento desses adolescentes, jovens e demais usuários, auxiliando no melhor desenvolvimento da realização de atividades diárias.
Por Rayssa Keuri, Mellyssa Cavalcanti,Luan Barros, Eduarda Cardoso, Luiz Rodriguez e Cledson Francisco / Estudantes de Jornalismo – Uneb/Juazeiro