Eu costumo dizer que para se ter uma mínima compreensão do fator histórico e social do Vale do São do São Francisco, é necessário se debruçar sobre a obra de Valter dourado, ler Opara de Esmeraldo Lopes, se esbaldar com a maestria de O Médio São Francisco de Wilson Lins, e se surpreender com o trabalho monumental de Ronald Chilcote. A provocação recente e cheia de verdades amargas da jornalista Natália Portinari me fez voltar ao trabalho desse grande cientista social que nos prestou um grande serviço.
O livro Classes Dominantes e Transição Capitalista no Nordeste, de Ronald Chilcote, não é apenas uma análise acadêmica sobre economia e política, mas um verdadeiro retrato das forças que moldaram o destino de diversas cidades nordestinas. Entre esses casos, Petrolina e Juazeiro emergem como dois exemplos que, apesar de sua proximidade geográfica, seguiram caminhos bastante distintos.Durante quase 15 anos (1969-1983) o sociólogo norte americano da Universidade da Califórnia visitou a nossa região, entrevistando centenas de pessoas, desde autoridades e lideranças até estudantes. Chilcote nos ajuda a entender por que uma cidade prosperou enquanto a outra enfrentou dificuldades para acompanhar esse ritmo de crescimento.
A Estabilidade Política como Fator de Crescimento em Petrolina
Quem conhece Petrolina sabe que seu crescimento não foi obra do acaso. Chilcote argumenta que a continuidade de um mesmo grupo político no poder foi um fator decisivo para o seu desenvolvimento. Diferente de Juazeiro, onde disputas constantes entre diferentes facções políticas geraram instabilidade, Petrolina seguiu um caminho mais previsível. Esse cenário permitiu a implementação de políticas públicas de longo prazo, garantindo investimentos em infraestrutura e atraindo grandes investidores.
Com uma elite política coesa, a cidade soube canalizar recursos para projetos estratégicos, principalmente na fruticultura irrigada, que hoje é a espinha dorsal da economia local. A fruticultura, aliada à modernização da infraestrutura urbana, fez de Petrolina um polo de exportação e um exemplo de sucesso na integração entre o setor público e privado.
A Alternância de Poder e a Estagnação de Juazeiro
Se Petrolina conseguiu crescer com um planejamento contínuo, Juazeiro enfrentou um cenário completamente diferente. Chilcote destaca que a alternância constante de grupos políticos no comando da cidade foi um grande entrave para o seu desenvolvimento. Cada nova gestão trazia sua própria agenda, muitas vezes desfazendo ou abandonando projetos anteriores, o que gerava descontinuidade nas políticas públicas.
O resultado disso foi uma cidade que não conseguiu acompanhar a velocidade do progresso de sua vizinha. Investimentos essenciais em infraestrutura e planejamento urbano ficaram comprometidos, dificultando a atração de investidores e o crescimento econômico sustentável. Além disso, a fragmentação política impediu a formação de parcerias sólidas com o setor empresarial, tornando Juazeiro menos competitiva no cenário regional.
Outro fator que pesa na análise de Chilcote é a estrutura fundiária de Juazeiro. Enquanto Petrolina apostava na modernização e no uso estratégico da irrigação, Juazeiro manteve uma elite agrária conservadora, resistente a mudanças. Isso resultou em uma economia menos dinâmica, que demorou a se diversificar e se adaptar às novas exigências do mercado.
A trajetória dessas duas cidades mostra que desenvolvimento não depende apenas de localização ou recursos naturais, mas também de decisões políticas bem alinhadas e de uma visão de longo prazo. Chilcote nos ensina que estabilidade e planejamento são fatores-chave para garantir crescimento sustentável, enquanto a alternância desordenada e a falta de continuidade podem se tornar obstáculos difíceis de superar.
Para aqueles que vivem em Petrolina e Juazeiro, essa análise não é apenas um estudo distante, mas algo que se reflete no dia a dia das cidades. Enquanto Petrolina continua avançando, Juazeiro ainda busca consolidar um modelo de gestão que lhe permita explorar todo o seu potencial. Classes Dominantes e Transição Capitalista no Nordeste nos oferece uma reflexão valiosa sobre os desafios e as oportunidades que moldam o desenvolvimento regional, deixando uma lição importante para gestores, empresários e a própria população. Sem dúvida alguma, leitura essencial para todos aqueles que pretendem compreender as nuances que formam a nossa região.
Por João Gilberto Guimarães Sobrinho, juazeirense, produtor cultural, escritor, cientista social formado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, pesquisador da história social, cultural e política do Médio São Francisco.
Os números expostos no artigo da Uol, levaram-me a seguinte reflexão:
Fico feliz em saber que o desenvolvimento de Juazeiro é orgânico. Lento, porém, natural. Nunca teve padrinhos políticos que derramassem recursos públicos na cidade, privilegiando-a acentuadamente em detrimento de outras cidades irmãs sertanejas. Nunca teve gestão municipal hábil e comprometida, pelo menos, não o suficiente… Mas, o desenvolvimento sempre pulsou e pulsa, mesmo que em estado quase latente. É confortante perceber que Juazeiro é uma mãe acolhedora, onde todos os que chegam são acolhidos e aqui prosperam.
E, o mais importante : Juazeiro não deve nada a oligarquia nenhuma.