Um famoso filósofo alemão disse um dia que quando olhamos demais para o abismo, o abismo nos olha de volta, e que ao lidarmos com monstros devemos nos acautelar para não nos tornarmos monstros também. Essas ideias me atravessaram esses dias, e enquanto atravessava uma certa ponte pela manhã, envolto em meus pensamentos, comecei a indagar: quando foi que nós, enquanto sociedade, nos tornamos tão fúteis e manipuláveis? Quando deixamos de lado a essência do que é ser humano em troca de aparelhos e costumes que, há pouco tempo, eram estranhos ao nosso cotidiano?
Ao observar as pessoas ao meu redor, percebi uma inquietante verdade: tudo ficou tão veloz quanto banal. Lembro-me de quando íamos a shows não apenas para ver nossos ídolos, mas para sentir a música pulsando em nossas veias, cantar junto as letras que alcançavam nossos corações. Hoje, muitos parecem mais preocupados em filmar cada momento para compartilhar nas redes sociais do que em realmente vivê-los. Quando foi que passamos a viver tanto pelos olhos dos outros?
Quando foi que a crise da criatividade, que além de moral é estética, se implantou ao nosso redor, quando foi que Hollywood em suas infinitas possibilidades e cifras, começou a ressuscitar velhas franquias e a nossa principal rede nacional de televisão passou a refazer novas versões de velhas novelas?
E as crianças? Quando foi que nossas crianças interiores deixaram de brincar nas calçadas e nas ruas de casa? Lembro das risadas que ecoavam nas vizinhanças, das brincadeiras sem fim. Agora, erguemos muros repletos de cercas, não apenas físicas, mas emocionais, criando barreiras que nos isolam do mundo que nós mesmos construímos.
A empatia, tão vital para nossas relações, parece ter desaparecido. Quando foi que começamos a idolatrar políticos, transformando-os em figuras mitológicas que só existem em nossa imaginação? O que aconteceu com as amizades que deveriam nos unir, que agora muitas vezes são colocadas em segundo plano em nome de ideologias partidárias?
E o mais alarmante: quando foi que deixamos de perceber que a dominação total não vem de forma bruta? Ela aparece disfarçada, colorida, cheia de amiguinhos virtuais, propagandas, e seguidores que, sem perceber, entregam seus dados pessoais de mãos beijadas, num verdadeiro assalto sem arma. Tudo isso em troca de uma ilusão treda, acreditando que as desejosas curtidas são de fato, sinônimos de afeto.
Quando foi enfim, que nos tornamos enormes lobos ferozes de nós mesmos, buscando um corpo perfeito que não existe, uma aparência virtual inalcançável que não se encaixa na nossa própria verdade?
Essas perguntas seguem reverberando em minha mente enquanto sigo atravessando a ponte que sempre leva a mim mesmo. São um convite à reflexão sobre o que realmente valorizamos e sobre a urgência de reconectarmos com o que é autêntico e verdadeiro.
Que possamos, ao menos, começar a responder: quando foi que deixamos de viver e passamos a apenas existir?
Por João Gilberto Guimarães Sobrinho, juazeirense, produtor cultural, cientista social formado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, Pós graduando em Políticas Públicas e direitos sociais, pesquisador das Políticas Públicas de Cultura.