Sempre Aos Domingos: “Comer, cozinhar e pensar”, Sibelle Fonseca

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Aos domingos, na maioria das vezes, faço questão de fazer o almoço, sem pressa e sem feijão com arroz. Quebro a rotina do habitual cardápio, e fujo do terror que virou a nutrição, ditada por coaches e suas descobertas malucas.
Pois bem, acendo meu cigarrinho, abro uma latinha de cerveja, Marcelo Camelo canta pra mim e ponho-me a criar uma receita com o que tem disponível na geladeira.
Enquanto espremo alhos, corto bacon, ponho o espaguete no fogo, vou cozinhando pensamentos também. Sou dada a provar sabedoria em tudo. Fui na gaveta dos talheres e vi que não tinha um ralador para o parmesão que pedia a receita. Ralador é como aquela pessoa, que você só sente falta quando precisa. Não “habemus” um ralador. Desisto da receita, pulo esse ingrediente, ou invento outra maneira de ralar aquele pedaço de queijo? Tem gente que já desiste aí, sabia? Tem gente que ignoraria o parmesão, arriscando alterar o sabor. Você o que faria? Eu dei meu jeito, assim como tenho feito na vida. Congelei o danado e fui tirando umas lascas fininhas com uma faca bem amolada. Deu certo, o fogo vai derreter o queijo mesmo.
Achando simples demais fazer uma massa à carbonara, dei meu toque, joguei personalidade no prato. Na minha alquimia, até aqueles 12 camarões que eu vinha guardando para uma ocasião especial, entraram no tacho. As tirinhas de frango e de carne que renderiam 2 almoços não me escaparam. Já quase feito o meu quitute, penso que a vida só nos garante o instante de agora, o prato de agora, o sabor e o abraço de agora. A ocasião especial pode não vir, a pessoa especial pode morrer sem que antes prove minha à carbonara com camarão e o que de melhor eu tinha na geladeira. É preciso dar o nosso melhor aos nossos.
Chega à parte da receita em que preciso de ovos batidos em neve. Não habemos batedor, nem aquele de cabo de madeira em espiral. Não gosto de batedeira de bolo, um trambolho a mais, como os que carregamos pela vida, além do que existem bolos ótimos nas padarias. Não tinha mais como desistir. Já tinha investido e sonhado com minha massa de domingo. Em um prato fundo, dei a bater com garfo como minha avó me ensinou a fazer.
Enquanto batia, pensei o quanto deve ter sido muito mais difícil a vida das mulheres que precisavam bater ovo na mão, todos os dias – as doceiras, cozinheiras, donas de casa. Como deve ter sido penosa a vida das lavadeiras batendo roupa na mão e esperando corar na pedra. Como deve ter sido terrível a vida das mulheres escravizadas de todos os jeitos e formas. Até hoje, na era da tecnologia e informação.
Gostei de reviver bater ovo na não, mas penso que até os ovos hoje estão diferentes. Eles não ficam mais aquela neve alvinha que você vira do prato e ela não cai. Meus ovos em neve ficaram aguados e olha que eu fiz do jeito que minha avó me ensinou. Até um tiquinho d’água botei e não parei de bater nunca. O braço cansou e pensei que preciso fortalecer os músculos. Ainda tenho muito a fazer com esses braços.
Por fim, carbonara pronta! Digna do restaurante do Copacabana Palace. Poderia me render um prêmio pela originalidade; monetizaria, se eu postasse o meu passo a passo; o resultado final, estimularia julgamentos. Aposto que alguém comentaria “Faz o L”, outros criticariam a aparência da minha iguaria e os mais generosos diriam: ” Tá com uma cara boa”! “Que delícia”!
Não fiz uma foto “instagramável” da minha obra prima. Comi saboreando e pensando que preciso de um ralador de queijo, de um mixer e mais outras coisas para tornar minha vida mais fácil e os dias mais leves. Pensei no quanto está indigesto viver digerindo coaches, influencers, bebês reborns, pastores mirins, tigrinhos, harmonizações, preenchimentos, falsidades, superficialidades e os analfabetos funcionais.
Comi em um prato fundo, sem mesa posta, talher ideal, e nem vinho branco. Sair do pires, é vital para mim, assim como comer, cozinhar e pensar.
Servido?

 

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, humanista, mãe de Carla, Pingo, Mariana,  Ananda e humana de Diana, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e dos animais, uma amante da vida e das gentes.

1 COMENTÁRIO

  1. Simplesmente massa.
    Sem frescura e defumada com um careta.
    E como seria falcão ” uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor”

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