O que mais dizer ao Velho Chico, no seu dia 4 de outubro, daquilo que ainda não foi dito?
Os poetas mais inspirados reinventam versos, na tentativa de contemplar sua generosidade e imensidão. Há os que, repitam, até exaustivos, expressões, frases e declarações mil. Do mais rebuscado poema, à simplória junção de frases, me parece que tudo já foi dito para o rio. Já o enalteceram, e até lhe pediram perdão.
O que mais dizer, que a música não tenha cantado? Que as lavadeiras não tenham ritmado e os pescadores glorificado, desse bendito rio?
Ele está nas telas, na escala musical, nas letras, lendas e fotografias. Vive na memória afetiva dos ribeirinhos e ribeirinhas e surpreende tanto aos que vem de fora, que já se toma um gole seu sabendo que voltará um dia. Há os nunca mais vão embora. Há quem se enriqueça dele, e quem dele tire o sofrido sustento. Há quem o explore, sem piedade e nem gratidão, mas há quem o defenda de dedo em riste, e brade contra tanta agressão.
Há quem contemple o sol se deitando nas suas águas, e quem nem lhe enxergue no vai e vem da ponte. Sim, há quem consiga fazê-lo invisível. Há os nunca se banharam nele, e os que lhe enfrentam a braçadas, com muito respeito. Ainda existe quem não ligue para aquele vazamento em casa, e desperdice, cotidianamente, lavando calçada com mangueira.
Há quem lhe devolva agrotóxico, quando ele oferece lucros e muita prosperidade. Há quem lhe faça de uma grande lixeira, jogando a latinha, a sacola e a biana do cigarro, nas vezes que vão às suas ilhas. Pneus, eletros eletrônicos, lixo de todo tipo, há quem lhe ofereça, tão covardemente. Mas ainda existem os que se somam para limpar suas margens, que reutilizam água, que reciclam, racionalizam seu uso, que o preservam, respeitam e agradeçam tanta generosidade, grandeza e beleza suprema.
O Rio São Francisco ilumina nossos olhos todos os dias, ainda que muitos não enxergue sua magnitude. É, não faltam políticos cheios de verborragia e nenhuma visão. Nem os homens do agro (que é tudo por causa do rio), e não plantam uma muda de nada em suas margens. Muitos sequer sabem de que leito vem as gotas que saem de seus aspersores.
Que os discursos virem ações, que a poesia recitada esteja nos pequenos hábitos diários, que a música que emociona, faça refletir. Que as telas pintadas sejam vistas como um pedido de cuidado e atenção. E a fotografia, seja, além de um registro da sua beleza, uma forma de denúncia da ameaça de degradação, e morte do povo ribeirinho.
Que a arte salve o nosso rio, porque senão ela, quem mais?
O Velho Chico guarda banhos de infância, batismos de cristãos, promessas, oferendas, conversas de pescadores, lamentos de lavadeiras, histórias de assombração, suor, alimento, sobrevivência, fartura e redenção.
Respeitemos este deus aqui tão perto de nós. Nele, a vida. Nele, há vidas.
Percebi que não era ao Velho Chico que eu queria dizer nada, mas a mim mesma e a você que me ler agora.
O que dizer de nós neste 4 de outubro? Que tipos de filhos e filhas do Rio São Francisco somos nós?
Por Sibelle Fonseca/ Foto: Anderson Motta



