Você pagaria R$ 50,00 em um morango? A pergunta, que pode soar absurda à primeira vista, se tornou cada vez mais plausível nas últimas semanas. Desde o início de julho, confeitarias e redes sociais foram invadidas por vídeos de morangos cobertos com uma casquinha crocante de açúcar, polvilhados com leite em pó ou confeitos. O “morango do amor”, como vem sendo chamado, se espalhou com velocidade impressionante e virou uma febre de consumo.
Em Juazeiro e Petrolina, a procura foi tão grande que algumas confeiteiras relataram filas de espera, estoques esgotados de morangos e até sobrecarga de trabalho. A influenciadora Millena Moreira chegou a afirmar que um cliente teria pago R$ 50,00 para garantir a sobremesa.
Outra confeiteira se referiu ao momento como “a segunda Páscoa do ano”.
Mas afinal, o que explica o fenômeno de um doce tão simples ter se tornado um objeto de desejo e, ao mesmo tempo, de performance digital?
Entre a sobremesa e a encenação
A confeiteira Geisa Xavier, que atua no bairro Coreia, em Juazeiro, descreve o momento como histórico para seu negócio. “A procura está absurda! Parece clima de Páscoa, o produto está esgotando muito rápido, e a cada minuto chegam mais e mais pedidos pelo site e mensagens no direct, e mesmo assim a gente não tá dando conta da demanda. Muita gente fica sem.”
Segundo Geisa, o sucesso do doce está ligado à experiência sensorial. “O contraste do morango azedinho com o recheio cremoso e a casquinha crocante mexe com todos os sentidos. É uma explosão de sabor que conquistou geral!”
Apesar da vontade de diversificar, ela conta que mal consegue atender à demanda atual.
“Por enquanto, só conseguimos manter esse único sabor, de tanto que ele tem saído. Eu até queria lançar variações, mas mal estamos dando conta desse primeiro.”
Sobre o futuro, ela ainda tem dúvidas. “Ainda não sei até quando vai durar essa fase, mas espero que continue por bastante tempo, porque tem sido uma fase muito especial pra nossa confeitaria.”
A viralização do morango do amor combina vários fatores. O primeiro deles é o apelo visual. Vídeos com câmera lenta, closes da casquinha estalando ao ser mordida, morangos perfeitos, confeitos brilhosos, tudo milimetricamente estético.
Essa estratégia de conteúdo tem nome: porn food
Segundo especialistas em comportamento digital, esse tipo de conteúdo ativa estímulos sensoriais e visuais que antecipam o prazer do consumo, antes mesmo da experiência real. “A comida é preparada e mostrada de uma forma que gere desejo imediato. É mais do que fome. É excitação visual. É clique, é curtida, é compartilhamento”, analisa o psicanalista e psicólogo Flavio Macagnam.
O fenômeno se intensifica com o ciclo viral. O doce bem apresentado gera desejo, que vira consumo. O consumo vira postagem. A postagem gera mais desejo. E assim o ciclo se retroalimenta.
“Não é à toa que as confeiteiras e criadores de conteúdo entraram numa espécie de corrida pelo doce perfeito. Não só pra vender, mas pra aparecer. Quem posta o vídeo mais bonito também ganha visibilidade, engajamento, até seguidores”, comenta Matheus Costa, que pesquisa estratégias de conteúdo gastronômico nas redes.
Pertencimento digital e medo de ficar por fora
Para o psicanalista e psicólogo Flavio Macagnam, o morango do amor se tornou símbolo de um fenômeno maior: o desejo de pertencimento que marca a nossa relação com as redes.
“As pessoas querem participar daquilo que está acontecendo. Não é só sobre o doce, é sobre estar dentro. Quem não posta, quem não experimenta, parece que ficou de fora.”
Segundo ele, isso cria uma lógica de consumo simbólico: o valor do produto vai além do sabor. “Publicar o story com o morango é também uma forma de dizer: ‘eu estou por dentro’. É uma busca por reconhecimento social.”
O fenômeno é reflexo de um mecanismo comum nas redes: o medo de estar perdendo algo, conhecido como FOMO (fear of missing out). Segundo Macagnam, esse sentimento impulsiona comportamentos de consumo acelerado e pouco conscientes. “Não é só sobre o doce, mas sobre a sensação de pertencimento. O desejo se confunde com a necessidade de fazer parte da tendência”, explica.
O preço da viralização
O fenômeno também tem seu lado problemático. Geisa Xavier relata que a produção do “morango do amor” tem tomado seus dias por completo. “Tenho passado o dia todo na boca do fogão, literalmente, só fazendo morango do amor, e mesmo assim a gente não tá dando conta da demanda. Muita gente fica sem.”
Além disso, o ciclo de vida dessas tendências é curto e pode deixar quem depende delas financeiramente em uma corda bamba. “Já tive produto que viralizou por uma semana e depois sumiu. É difícil manter um negócio assim”, relata outra confeiteira da região.
O “morango do amor” sucede uma fila de doces virais: o brownie bombom, o croissant de travessa, o bolo de pote gourmet. Todos com picos altos de demanda e quedas bruscas.
Entre a estética e o afeto
Seja por desejo real, seja por engajamento social, o morango do amor se tornou mais do que uma sobremesa: é um espelho da forma como consumimos, nos comunicamos e nos conectamos nas redes.
Num mundo em que o sabor vem depois do story, e o clique importa tanto quanto o gosto, o doce do momento talvez diga mais sobre nós do que imaginamos.
Afinal, o que é o morango do amor?
Versão atualizada da tradicional maçã do amor, o morango do amor leva morangos frescos cobertos com açúcar caramelizado e polvilhados com leite em pó, granulado ou confeitos. Vendido em embalagens individuais, virou tendência principalmente pela estética e pelo apelo sensorial que conquista nas redes sociais.
Por Ally Vianna, repórter Portal Preto No Branco



