“Racismo e poder hereditário: a face da velha política em Petrolina” por Ramon Raniere Braz

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Palavras são dispositivos de poder. A expressão “boca preta”, usada por Miguel Coelho, ex-prefeito de Petrolina e herdeiro de uma linhagem política que atravessa décadas, contra o ambientalista Victor Flores, não é um simples insulto. É uma senha. Um código que ativa a memória colonial, o racismo institucional e o patrimonialismo que ainda molda a política brasileira.

Em Os Donos do Poder, Raimundo Faoro descreve com precisão o modelo de Estado que se formou no Brasil: um Estado capturado por elites que confundem o público com o privado, e tratam o poder como extensão da família. Não é por acaso que, em cidades como Petrolina, o sobrenome pesa, a política é hereditária, e o discurso, quando ameaçado, recorre à violência política para se proteger.

Quando um homem branco, representante de uma dinastia política, chama um homem negro de “boca preta”, está ativando um dispositivo que vai além da ofensa. Está reafirmando uma hierarquia. Está dizendo, com todas as letras, quem pode falar e quem deve calar.

Muniz Sodré, ao tratar do racismo institucional, nos alerta que ele não se revela apenas em atos explícitos. Ele se infiltra nas estruturas, nas práticas, nas palavras que parecem banais. Portanto, a fala de Miguel Coelho é um exemplo manifesto de racismo institucional. E mais, não é apenas um ataque a Victor Flores, é uma tentativa de silenciar o pensamento crítico, sobretudo quando esse pensamento se atreve a questionar modelos de desenvolvimento e narrativas hegemônicas sobre Petrolina ser a imaculada terra dos sonhos.

A crítica de Victor Flores, ao projeto da Orla 3, não foi apenas técnica ou ambiental, é preciso que se diga: foi política. E como tal, foi recebida com o mesmo desprezo queelites patrimonialistas costumam reservar às vozes que desafiam seu monopólio discursivo. Percebam que o ativista não foi em nenhum momento desmentido, pelo contrário, tentaram o desqualificar para invalidar seus argumentos.

Saudar Flores pela coragem é necessário, mas insuficiente. O episódio escancara a permanência de uma elite política que se vê como dona da terra, da cidade, da fala. Uma elite que, mesmo em pleno século XXI, ainda opera sob a lógica das capitanias hereditárias. A política não pode continuar sendo um legado de sobrenomes

 

Por Ramon Raniere Braz

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