Em ato que ignora previsão legal de mandato de quatro anos, presidente interino exonerou Ricardo Melo da presidência da empresa pública de comunicação
Não foram só os ministérios das Comunicações e da Cultura, responsáveis por diversas políticas públicas de fomento à liberdade de expressão no país, que desapareceram do mapa na recém-inaugurada gestão Temer.
Nesta terça-feira 17, o Diário Oficial da União traz a exoneração do diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), única empresa pública nacional do setor. Passando por cima da Lei 11.652/2008, que regula a radiodifusão pública no País e que, para garantir a autonomia da EBC frente a governos, prevê mandato de 4 anos para seu presidente, o PMDB demitiu o jornalista Ricardo Melo e deve colocar em seu lugar Laerte Rímoli, coordenador de comunicação da campanha de Aécio Neves em 2014.
Rímoli também foi chefe da assessoria de Comunicação Social do antigo Ministério do Esporte e do Turismo durante o governo FHC, quando investigações do TCU apontaram desvios de 10,6 milhões de reais para a SMP&B Comunicação.
Rímoli foi um dos quatro servidores do ministério condenados a ressarcir os cofres públicos. Na Câmara dos Deputados, trabalhou no gabinete de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e foi um dos designados pelo presidente afastado a conduzir, com mãos de ferro, a TV Câmara.
Desde então, crescem as denúncias de servidores da Câmara acerca de censura a programas como Palavra Aberta e Fatos e Opiniões, além de vetos a entrevistas e reportagens dos telejornais.
Sessões do Conselho de Ética, que investiga Cunha, deixaram de ser transmitidas. E o programa Participação Popular saiu do ar. O futuro da EBC, de suas emissoras e programas não será diferente.
Mesmo sem o nome de Rímoli confirmado, a reação de intelectuais, acadêmicos, comunicadores, trabalhadores da EBC, organizações da sociedade civil e defensores da liberdade de expressão e de uma comunicação pública democrática e plural foram imediatas.
Articulada pela Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, uma nota com centenas de assinaturas foi divulgada nesta terça, exigindo o respeito à Lei da EBC e ao mandato de seu presidente. Ações na Justiça também estão sendo elaboradas – entre elas um mandado de segurança a ser protocolado pelo próprio Ricardo Melo – e atos estão programados em diferentes capitais.
Em Brasília, parlamentares de pronunciarão sobre o ocorrido numa manifestação na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 18.
Como diz trecho da nota pública lançada (leia a íntegra abaixo), “a EBC, que sempre esteve ligada à sociedade por meio do seu Conselho Curador, representativo das esferas da sociedade civil, governo, setor privado e empregados, não pode ter seus alicerces legais e finalidades atingidas pelo governo interino. Este projeto não pertence ao Executivo nem a qualquer partido, mas à sociedade brasileira”.
Em diferentes ocasiões, este blog – Carta Capital – e o Intervozes se posicionaram em defesa da autonomia da EBC e criticaram episódios, durante o governo Dilma, que ameaçaram sua independência. Neste momento, em que a legislação que dá sustentabilidade e independência à comunicação pública é solenemente atropelada por Michel Temer, ninguém deve se calar.
Íntegra da nota:
NOTA EM DEFESA DA EBC E DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA
A democracia e a comunicação estão intrinsecamente ligadas. A manifestação de toda a pluralidade de atores enriquece a democracia, ampliando a capacidade de encontrar soluções que contemplem toda a sociedade. Por outro lado, a ausência de diversidade cria falsas unanimidades e prejudica o debate público.
Como fruto da luta da sociedade brasileira pelo direito à comunicação, a Constituição Federal prevê a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão.
O passo mais significativo na construção do sistema público foi a aprovação, em 2008, da lei 11.652, que institui os princípios e objetivos da radiodifusão pública no país e cria a Empresa Brasil de Comunicação como expressão de um sistema livre da interferência econômica ou governamental, em consonância com o artigo 223 da Constituição Federal.
A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) é fruto dessa luta e um patrimônio de todos os brasileiros, que veem ali colocadas suas mais diferentes expressões culturais e de opinião. Para assegurar o caráter público, a Lei 11652 trouxe mecanismos importantes, como o Conselho Curador (órgão com representação da sociedade e dos trabalhadores), a Ouvidoria e a proteção do mandato do diretor-presidente, impedindo que este seja trocado a partir de cada mudança do Executivo.
Esses instrumentos são essenciais para que a empresa responda à sociedade, e não a partidos ou governos de plantão. Por isso, respeitar os princípios legais que zelam pela autonomia desta empresa pública é princípio essencial para todos que acreditam na democracia e diversidade de vozes.
A BBC, empresa pública de comunicação inglesa, com quase 100 anos de existência, está sustentada sob esses pilares. Seguindo seus passos, em apenas oito anos de funcionamento, os veículos da EBC fizeram valer o artigo constitucional que prevê a complementariedade dos sistemas de comunicação no Brasil.
A empresa estabeleceu como missão contribuir para a formação crítica das pessoas. Entre seus valores estão a independência nos conteúdos, na transparência e na gestão participativa.Os direitos humanos, a liberdade de expressão e o exercício da cidadania completam essa lista, juntamente com a diversidade cultural, a criatividade, a inovação e a sustentabilidade.
A TV Brasil buscou levar mais diversidade étnico-racial para a tela de brasileiros e brasileiras, com ampliação de representações negras na pauta jornalística e na programação cultural, seja por meio de filmes, desenhos animados ou programas de entrevista.
As agências da EBC, Agência Brasil e Radioagência Nacional, distribuíram conteúdo gratuitamente para milhares de jornais, blogs e emissoras de rádio, que não teriam condições de informar devidamente a população sobre os fatos e direitos políticos, econômicos e sociais.
Em apenas oito anos, as equipes de jornalismo da EBC conquistaram ou foram finalistas de diversos prêmios, principalmente pela cobertura de direitos humanos. Entre eles, os prêmios Vladimir Herzog, Líbero Badaró, Tim Lopes, Abdias do Nascimento, Esso e Embratel.
As emissoras de rádio ampliaram o espaço para a produção musical independente, o esporte e a informação. Está sob a administração da EBC rádios com importância histórica, interesse público e relevância atual como as rádios Nacional do Rio, MEC AM e FM do Rio, Nacional da Amazônia, Nacional do Alto Solimões, Nacional de Brasília e Nacional FM de Brasília.
Alertamos para os perigos que esse patrimônio da sociedade brasileira corre. Repudiamos a a decisão do governo interino de destituição do diretor-presidente antes do término do seu mandato, publicada no Diário Oficial da União deste dia 17 de maio. Também nos questionamos ameaças que circulam por meios não oficiais, como a redução da estrutura de pessoal ou o desvirtuamento dos princípios, objetivos e missão da empresa, bem como qualquer ataque à Lei da EBC e ao projeto da comunicação pública. A
EBC, que sempre esteve ligada à sociedade por meio do seu Conselho Curador, representativo das esferas da sociedade civil, governo, setor privado e empregados, não pode ter seus alicerces legais e finalidades atingidas pelo governo interino. Este projeto não pertence ao Executivo nem a qualquer partido, mas à sociedade brasileira.
Brasília, 17 de maio de 2016.
Fonte: Carta Capital