Sempre Aos Domingos: “Eu? Pecado? Tenho não!”, por Sibelle Fonseca

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Minha mãe tem 84 anos e sua cama é o lugar que ela mais tem gostado nos últimos tempos. É onde se sente segura, confortável e eu entendo isso, muito embora tente animá-la a dar umas voltas pela casa devagarinho ou um rolê na sua cadeira de rodas. Ela resiste.

Tento resgatar a mulher que vivia ” batendo perna” no comércio de Juazeiro e que eu admirava a disposição de sacoleira indo de porta em porta vendendo a mercadoria que trazia das inúmeras viagens ao Ceará, ao São Paulo…

Lá no fundo, eu queria que seu vigor fosse eterno. Mas não é mais. Ela gosta mesmo é de viver seu mundo da sua cama. E é de lá que ela continua nos passando muitos ensinamentos.

Outro dia, um religioso foi no seu bendito leito para confessá-la. Na primeira pergunta que lhe fez, a clássica, “confesse seus pecados”. Ela mandou essa: “Eu? Pecado? Tenho não!”

Achei engraçado e julguei ser uma falta de humildade, mas logo aplaudir minha mãe. Que mulher bem resolvida pra este mundo que nos imputa tantas culpas e pecados! Vi então que ela tem toda razão. Se deu o melhor de si, fez o que pode com o que tinha, nunca matou nem roubou. E, se errou com alguém, foi com pensando em acertar, não tem pecados mesmo.

Aí, então, o religioso, não satisfeito com aquela confissão chocante de auto estima, lhe perguntou se ela tinha alguém pra pedir perdão ou perdoar. Ela, de pronto, disse que NÃO. Ninguém a perdoar e nem a pedir perdão. Me apressei a julga lá de novo. “Valha me Deus, que mulher fenômeno é essa? Como assim?”, indaguei comigo e perguntei-lhe então, o porquê da resposta. Bem tranquilamente me disse:” Eu mesma não. Se alguém quiser me pedir perdão, venha que tá perdoado. Agora eu mesma não. Fiz de tudo pra ser correta com todos. Tá tudo certo comigo”.

Fiquei boquiaberta, mas entendi e aplaudir minha mãe, de novo. De fato! Não tenho outra imagem dela sem que seja a de uma mãe providencial e protetora. Honesta, trabalhadora, amiga das amigas, leve, de um humor incrível, de uma disposição invejável, cidadã correta, empática, otimista, de fé.

Ela deveria se chamar Maria das Alegrias e não Maria Das Dores, seu nome de batismo.

Filha adotiva, comeu seus topados e seguiu. Mulher que enfrentou, do seu jeito, um marido machista. E sempre esteve na frente daquele grande homem. Pariu 5 mulheres, perdeu 2 e ao pé do caixão da primeira que se foi, só dizia “: “Ela cumpriu sua missão”! Firme, nos consolava mais que era consolada. Fez o percurso fúnebre todo, da última filha que perdeu há um ano, Livinha, em uma na cadeira de rodas e foi até o túmulo.

O mesmo tumulo que ela organizou e até acompanhou a transferência dos restos mortais dos que nos antecederam, seus pais, seu marido, filha e neto. Sempre de pé e até fazendo piada do tipo ” De nós, só fica o cabelo”. Uma lição do jeito dela.

Minha mãe não tem mesmo que pedir perdão, nem se perdoada por ninguém.

Minha imaculada sem pecados. Minha Nossa Senhora. Medianeira da alegria e da força que eu carrego. Altaneira, santa das nossas causas urgentes. Padroeira da minha família. Patrona.

Senhora de quase todas as 7 virtudes de Maria: Esperança, Coragem (fortitude) Prudência, Temperança, Benevolência, Paciência e digo que até foi casta dos prazeres do mundo, mesmo não sendo a mulher recatada e do lar. Bela sempre foi, minha  Raquel Welch. Prendada no ponto de cruz, nos fuxicos e até costurava nossas roupas.

Já na cozinha ela só “dava seu toque”, o que fazia toda diferença. Pagava as contas de casa, investia em patrimônio pra família, cuidava de suas meninas e de Seu Manoelito, um osso duro que ele roeu com sapiência. Fosse hoje, diriam que era um relacionamento abusivo, o que eu concordo. Ahhh, mas não se enganem. Ela se impôs.

Minha mãe foi minha irmã e melhor amiga nos meus momentos mais difíceis. Nunca me deu uma palmada, mas me disse, quando fui mãe aos 16: “Quem pariu Mateus que balance”, embora sempre estivesse perto, me ensinando responsabilidade e independência.

Vez por outra, ela, mulher de opinião forte, dizia que não gostava de ser mãe não. Como quem já sabia que maternidade não deveria ser imposta.

Aplaudo minha mãe, por isso também, mas o que importa é que eu gosto muito de ser sua filha, e quero isso por todas as minhas reencarnações.

Minha mãe, realmente, não tem pecados. Não para ela e nem para mim. Nem preciso perdoá-la por nada. Nem também preciso lhe pedir perdão. Ela mesmo se absolveu e a mim também.

Minha mãe é minha Nossa Senhora Das Alegrias. Minha Nossa Senhora das Dores. Minha mãe é imaculada, misericordiosa Maria. Fortaleza de Maria. Minha Santa Clara, Protetora dos Olhos e do meu caminho.

O religioso? Nunca mais voltou ( risos). Que fiquem lá ele e seus pecados.

Minha mãe é uma santa cheia de defeitos. Uma bruxa que nem eu, que nem nós, as mulheres que voam pra onde bem quiserem. Sem pecados, por favor!

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, mãe de nove filhos, sendo 5 de 4 patas, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e animais, uma amante da vida e de gente.

 

1 COMENTÁRIO

  1. Aplausos pra vc.honenagear sua mãe em vida.pelo pouco que conheço de das dores ela é bem assim.complicada e perfeitinha kkkkk.quisera eu ter dito a minha mãe através de um texto tudo que ela representa pra mim.

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