A distorção da “coisa pública e o oportunismo das elites” por Jota Menezes

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É uma herança colonial do patriarcado: Desde 1500, persevera no Brasil uma cultura perniciosa dos “donos do poder” se apropriarem dos bens públicos, como se o patrimônio lhes pertencessem por autorização divina, como faziam os reis absolutistas do século XVIII. Do alto de seus tronos, com ombreiras erguidas e peitos de pombo, bradavam o que bem queriam e tomavam decisões, muitas delas as mais absurdas, apenas para satisfazer seus egos inflados e suas vontades. Qualquer opinião contrária à filosofia da Coroa era tida como subversão e o autor da opinião era punido com prisão ou morte. Essa herança maldita fora replicada no Brasil Colônia e se perpetuou na cultura republicana das elites. Porém, não é só isso, outra forma de violência institucional é a apropriação de espaços e cargos públicos para a manutenção de privilégios.

Às vezes, soberanos os fazem de forma direta, são oportunistas e carreiristas de primeira ordem, em outras são escorregadios como serpentes,“dão o bote” na hora precisa de suas necessidades materiais e politiqueiras. O jornalista, escritor e humorista Aparício Torely (1895-1971), o “Barão de Itararé”, dizia com sapiência: “no Brasil, a vida pública começa na privada”. A frase é de uma simplicidade explícita, contudo, carrega em sua essência uma verdade cortante: muitos políticos são mal intencionados e enxergam na vida pública uma oportunidade de se locupletarem de recursos, os quais não lhes pertencem. Misturam a vida privada com a pública e se beneficiam dos dois modos. A história do Brasil é repleta de exemplos, os mais variados dessa prática cultural nefasta.

Interessante notar que o eleitorado e a população acabam naturalizando esse mau costume. Ouve-se, nos programas de rádio, jornais e blogs de hoje e nas conversas de botequins dos correligionários, frases como: e a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) vai ficar com quem? Que partido indicará o novo Superintendente da Sudene? A que liderança o governo dará o controle de órgão tal? Se olharmos com frieza, tendo como parâmetro a responsabilidade de tratar a “coisa pública” com transparência e retidão, essa postura é absurda. Loteiam-se os cargos públicos como se classificasse gado para distribuir com os “notáveis” das elites brasileiras ou grupos econômicos que usando de lobby, tráfego de influência ou pressões (como fazem as empreiteiras que patrocinam campanhas políticas).

É o famoso toma lá dá cá, típico dos vícios das “Republiquetas de Bananas”. No Nordeste, é possível contar nos dedos as famílias que usufruem desses privilégios. Não há no mundo nenhum caso como o brasileiro, em que políticos considerados “conservadores” ou tradicionalistas que se aboletam do poder político e econômico, apropriam-se das instituições como carrapatos, por meio de negociatas em Brasília e nas capitais estaduais. Utilizam-se das benesses e vantagens econômicas e politiqueiras para “engordar” seu capital e o curral eleitoreiro. No livro “O Poder dos Donos” de Marcel Burzstyn (1984) , o autor explicita esse cenário imoral de maneira didática. Essa é uma herança que se inicia nas Capitânias Hereditárias, lá por volta de 1530, amplia-se no Nordeste com as Sesmarias, simbolizadas nos Garcias D’ávila (1508-1609), que chegaram a dominar, através de gerações, o maior latifúndio da história da América Latina, com terras que iam de Salvador até o Rio Grande do Norte. Essa cultura atravessou séculos e está ainda muito viva no século XXI e não se restringe apenas à questão fundiária, quando se observa os barões da mídia no Brasil e sua plutocracia, percebe-se como o “Coronelismo” dos séculos XIX e XX chegou revigorado ao XXI. A “queda de braço”, entre as elites do Nordeste, não era mais só pelos recursos da Sudene ou pelos despojos da “indústria da seca”, os quais chegaram a receber na década de 1970, uma reprimenda, acredite, do ditador Garrastazu Medici (1905-1985), que ficara estupefato com a “ganância” dos clãs da região em torno das verbas federais destinadas às questões sociais. Nem é preciso dizer que a SUDENE (1959) é uma criação do economista paraibano Celso Furtado (1920-2004), cuja intenção era reverter a situação socioeconômica da região, tida como a mais pobre do País. Furtado sonhava em melhorar a autonomia regional do Nordeste, não só em relação aos estados, mas, sobretudo, mitigar a dependência social das populações, por meio da criação de oportunidades de trabalho e melhoria de renda das famílias.

Os velhos coronéis, acusando o projeto do economista de “coisa de comunista”, como fizeram com Paulo Freire (1921-1997) e Josué de Castro (1908-1973), ambos, mentores de projetos inovadores nas áreas de educação e combate à fome e de libertação da estrutura colonial alienante, portanto, contrárias às visões conservadoras dos coronéis que lutavam para a manutenção da dependência, instigando o povo a se manter preso à velha estrutura agrária, cuja lógica é a de manter a “distribuição da ração em períodos de seca” que não estimula a ascensão social, nem tampouco liberta os sertanejos das amarras da independência em detrimento do status quo das oligarquias.
Houve uma sofisticação da estratégia político-econômica. Ela já era bem visível durante as décadas de 1970 e 1980, respectivamente com uma nova configuração. Os Coronéis,com suas atitudes arcaicas de conservação do mandonismo local, não haviam sido totalmente desaparecidos, contudo, novas gerações de burocratas, descendentes desses “feudalistas do Nordeste do Brasil”, ocupavam postos importantes em órgãos governamentais em âmbito estadual e federal. Do mesmo modo, em “empurrados goela à dentro” em cargos políticos no nas Assembleias Legislativas, Congresso Nacional, Senado ou como chefes do executivo das prefeituras das capitais ou interioranas.

Há toda uma lógica perversa para esse continuísmo e ela se empodera na filiação e na alienação, levando as “velhas raposas”, manipuladoras do poder, à condição de lendas “vivas ou mortas e benfeitores do progresso e da justiça social”. Os filhos, netos e bisnetos desses clãs seguem, perpetuando a fórmula, inaugurada pela Corte Portuguesa nos primórdios da invasão de Pindorama. Essa realidade só irá mudar, segundo o professor/Doutor, titular em Direito da USP, por meio de lutas que confrontem esse poder ilegítimo dessas forças retrógradas, o segundo é confrontar o poder da grande imprensa que, no Brasil, opera em direção contrária aos interesses democráticos e a favor de um projeto neoliberal compactuado com as elites.

Jota Menezes é jornalista profissional, professor de História e Mestre em Educação, Cultura e Território Semiárido.

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