Técnicos do Senado periciaram atos da presidente citados no impeachment. Relatório afirma que houve irregularidades nos créditos e nas pedaladas.
Uma perícia elaborada por técnicos do Senado, a pedido da defesa de Dilma Rousseff, apontou que há provas de que a presidente afastada agiu diretamente na edição de decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional. No entanto, segundo os mesmos peritos, não foi identificada uma ação direta da petista na decisão de atrasar os pagamentos da União para bancos públicos, as chamadas “pedaladas fiscais”, nos subsídios concedidos a produtores rurais por meio do Plano Safra.
O relatório, elaborado a pedido da defesa de Dilma, foi entregue nesta segunda-feira (27) ao secretário-geral da mesa diretora do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Melo.
Ao G1, o consultor de orçamento do Senado Diego Prandino Alves – integrante da comissão que realizou a perícia – explicou que os técnicos da casa legislativa não identificaram ato direto da presidente afastada nas “pedaladas” com base nos documentos anexados ao processo de impeachment. Ele, entretanto, ressaltou que “se houve algum ato direto da petista nos atrasos de pagamentos”, os peritos não tiveram acesso ou essa prova não foi analisada pelos técnicos.
A edição dos decretos sem autorização do parlamento e as “pedaladas fiscais” embasaram o pedido de impeachment que afastou Dilma do comando do Palácio do Planalto. A solicitação de impedimento, apresentada pelos juristas Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo e Janaina Paschoal, se concentrou em duas acusações relativas a 2015: decretos de crédito suplementar assinados pela presidente sem autorização do Congresso e os atrasos no repasse de dinheiro para bancos públicos.
O relatório da área técnica do Senado, que tem 223 páginas, destaca que ocorreram irregularidades na liberação dos créditos suplementares sem aval legislativo e nos atrasos de pagamentos de subsídios do Plano Safra aos bancos públicos.
A perícia foi realizada em cima de provas e documentos anexados ao pedido de impeachment que tramita no Congresso. Em um primeiro momento, a comissão de especial encarregada de analisar o afastamento da presidente da República negou a solicitação da defesa para que os técnicos analisassem os documentos. Depois, atendendo a recurso dos advogados de Dilma, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, determinou que a perícia fosse realizada.
Créditos suplementares
Uma das principais denúncias do pedido de afastamento da presidente é a acusação de que ela teria editado, no ano passado, decretos para liberar R$ 2,5 bilhões em crédito extra sem aval do Congresso.
A defesa da presidente afastada vem afirmando, ao longo do processo de impeachment, que não era necessário o aval do parlamento nos casos apontados pelos autores da solicitação de afastamento. Os técnicos do Senado que elaboraram a perícia, contudo, enfatizaram no documento que essa autorização era obrigatória.
Após entregar a perícia ao secretário-geral do Senado, o consultor Diego Prandino Alves observou que, como os créditos suplementares poderiam fazer que o governo não atingisse o resultado primário previsto no orçamento, a decisão de liberar o dinheiro teria de ter sido submetida ao Congresso em forma de um projeto de lei.
A perícia do TCU avalia, porém, que apesar da edição de decretos liberando gastos no Orçamento, houve o cumprimento da meta fiscal do ano passado.
“Concluiu-se que o Poder Executivo cumpriu as metas de resultado fiscal, mesmo com a liberação do limite de empenho e execução financeira promovida pelo Decreto 8581/2015. Logo, os decretos de contingenciamento editados foram suficientes para assegurar o cumprimento das metas de resultado fiscal de 2015”, diz o texto.
Entretanto, a meta só foi cumprida porque o Congresso aprovou, em 2 de dezembro, o projeto de lei do governo que reduziu a meta fiscal de 2015 e autorizou o governo federal a encerrar 2015 com um déficit recorde de R$ 119,9 bilhões.
A defesa de Dilma argumenta no processo de impeachment que a meta só pode ser considerada descumprida ao fim de um exercício – neste caso o de 2015. E que o parlamento, ao autorizar um rombo de R$ 119,9 bilhões no ano passado, teria convalidado os atos fiscais do Executivo federal.
Todos os anos, o Orçamento da União fixa uma meta de superávit primário, ou seja, de economia que o governo deve fazer para pagar juros da dívida. No ano passado, a meta teve que ser alterada pelo Congresso, a pedido do governo, porque não seria possível cumpri-la.
“Essa autorização para abertura de crédito, ela deveria vir de uma proposta, um projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional”, disse o consultor.
Alves ponderou ainda que, de forma “incontroversa”, Dilma é a autora dos decretos de crédito suplementar. “O que foi verificado, a partir dos autos, é que ela [a presidente afastada] é a autora dos decretos. A autoria dos decretos é incontroversa.”
O documento aponta ainda que a edição de decretos de crédito suplementar amplia a dotação orçamentária e que os valores adicionais “pressionam o atingimento do resultado primário desde sua edição”.
“Em um cenário de retração econômica, com consequente tendência desfavorável de arrecadação de receita, a edição de créditos suplementares eleva o nível de contingenciamento necessário para a manutenção da meta”, argumentaram os técnicos do Senado.
Segundo a perícias, edição de quatro decretos de crédito suplementar impactou a meta de superávit primário em R$ 1,75 bilhão no ano passado.
O entendimento é diferente daquele externado pelo ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que atuou na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff.
Em abril, na comissão de impeachment, ele afirmou que os decretos de crédito suplementar não liberam o pagamento de novas despesas e, deste modo, estariam de acordo com o Orçamento e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
‘Pedaladas fiscais’
Os três juristas que apresentaram ao Congresso Nacional o pedido de impeachment de Dilma afirmam que a petista cometeu crime de responsabilidade ao fazer as chamadas pedaladas fiscais no ano passado (entenda as pedaladas). Os atrasos de pagamentos aconteceram também em 2013 e 2014, embora não façam parte da acusação que embasou o afastamento provisório da petista.
Essa maquiagem fiscal consiste em “adiantamentos” de pagamentos realizados por bancos públicos a programas de responsabilidade do governo federal, sendo que a legislação impede que empresas controladas pela própria União emprestem dinheiro ao governo.
Na solicitação de impeachment, os juristas alegaram que, em 2015 – primeiro ano do segundo mandato de Dilma – ela publicou decretos de crédito suplementar sem aval do Congresso e autorizou as pedaladas fiscais, que consistem em atrasos nos repasses de dinheiro para bancos públicos, como o Banco do Brasil no Plano Safra.
Os autores do pedido de impeachment argumentam que “os empréstimos foram concedidos em afronta ao art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe a tomada de empréstimo pela União de entidade do sistema financeiro por ela controlada”.
Na perícia entregue à mesa diretora do Senado, os técnicos corroboram a avaliação dos três juristas de que houve irregularidade no atraso dos pagamentos. Para os peritos, as pedaladas constituem “modalidade de financiamento”, ou seja, operações de crédito, mesma conclusão a que chegou o Tribunal de Contas da União (TCU).
A defesa de Dilma refuta a versão e argumenta que os atrasos decorrem de prestação de serviços.
Os técnicos do Senado ressaltam na perícia, entretanto, que, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, as operações de crédito “consistem em compromissos financeiros assumidos em razão da abertura de crédito, entre outras operações assemelhadas.”
A perícia cita, inclusive, um entendimento do Manual de Contabilidade do Setor Público, utilizado pelo Tesouro Nacional, pelo qual “as operações de crédito nem sempre envolvem o usual crédito junto a uma instituição financeira, com o consequente ingresso de receita orçamentária nos cofres públicos como, por exemplo, nos casos de assunção, reconhecimento ou confissão de dívidas”.
Os técnicos do Senado avaliaram ainda que, em 2015, os passivos do Tesouro Nacional junto ao Banco do Brasil por conta do Plano Safra não foram registrados na dívida pública, o que passou a ser feito somente no final do ano passado.
A perícia também destaca que, por conta disso, até junho do ano passado o superávit primário foi superestimado em R$ 2,09 bilhões. Nos meses seguintes, esse valor caiu, chegando a R$ 700 milhões em novembro.
O documento, contudo, não respondeu ao questionamento da defesa da presidente afastada sobre se existem diferenças entre as pedaladas fiscais dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva com a as da gestão Dilma. Os peritos se limitaram a dizer que não analisaram esse ponto porque “versa sobre exercícios financeiros anteriores”.
Prazos
Após o recebimento do laudo pericial, o secretário-geral da Mesa do Senado Federal, Luiz Fernando Bandeira, explicou que a partir de agora a acusação e a defesa têm 24 horas para pedir esclarecimentos. Passado esse prazo, a junta pericial da Comissão terá até esta sexta-feira (1º) para responder aos questionamentos feitos pelas partes.
Após essa fase, os assistentes periciais, tanto da defesa quanto da acusação, terão até segunda-feira (4) da semana que vem para entregar um “laudo acessório” que concorde parcial ou totalmente com o laudo da junta pericial.
“E, finalmente, na terça-feira (5) da semana que vem, sentaremos todos à mesa da comissão, numa audiência pública em que esses laudos serão debatidos: o laudo da junta pericial e os laudos que eventualmente sejam apresentados pelos assistentes periciais de cada uma das partes”, afirmou Bandeira.
G1