Poeta Miró lança seu 16º livro hoje (6) em Petrolina-PE

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No dia em que completa 56, Miró lança O penúltimo olhar sobre as coisas (Mariposa Cartonera) hoje às 18h30, dentro da programação da Feira do Livro do Vale do São Francisco, no Centro de Convenções em Petrolina (PE).

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Miró da Muribeca completa 56 anos no dia 6 de agosto. É poeta. Mas prefere se dizer cronista. “A minha poesia, a minha crônica, é exatamente a rua.” Afirma que não faz ficção e suas narrativas são encontradas nas esquinas, nos ônibus, nas noites, nas alcovas ou no passado. Mais que a rua, a poesia/crônica de Miró é a vida eternamente à deriva. Das cidades e das pessoas.

Nosso primeiro encontro, em uma tarde de maio, ocorreu no Largo de Santa Cruz, centro do Recife. Sentamos em um bar com pássaros engaiolados, e a alguns metros um casal fuma maconha na praça. Para chegar ao Largo, é preciso atravessar a multidão da Av. Conde da Boa Vista, artéria vital de uma cidade já obstruída pela profusão de cheiros ruins, buracos nas calçadas e por onde o patrimônio histórico perde espaço para prédios feitos sob qualquer arquitetura. Quando não há o som das buzinas ou dos vendedores de várias coisas, há o carrinho de som tocando alto Lionel Ritchie (música: Stuck on you). Melhor.

Ofereço água, mas Miró, que chega pontualmente, pede conhaque de alcatrão. Para além de poeta ou cronista, ele é símbolo de uma geração de artistas alternativos do Recife, que começou a publicar a partir dos anos 1980. Artistas que, por viverem o lado B da cidade, encarnam no próprio corpo as agruras das suas urbes com versos fortes associados a uma récita impactante. Com 15 livros lançados, tem se consolidado com um dos mais inventivos poetas em atividade no país.

“Sempre que Miró vem à Balada é ovacionado”, aponta o escritor Marcelino Freire, organizador do festival paulistano Balada Literária. “Já recitou para Antonio Cândido, Adélia Prado, Augusto de Campos. Momento histórico foi Miró, na Balada do ano passado, ter encontrado Ignácio de Loyola Brandão. Miró tirou do bolso um poema que fez ali, em homenagem ao Loyola, e leu, para emoção geral do público”, lembra Marcelino. Em 2015, foi um dos homenageados da Bienal do Livro de Pernambuco.

Seu último livro, aDeus (2015, Mariposa Cartonera), vendeu cerca de 3 mil exemplares em menos de um ano – um número de best-seller em se tratando de poesia e de um país em que as tiragens por edição de grandes editoras muitas vezes nem chegam a isso. “Normalmente, as pessoas procuram direto (o poeta), ele anda com as obras. Interessante que as vendas on-line representam uma parcela muito pequena, o que reforça o carisma do autor. Também o livro sempre é vendido nos eventos que participamos, mas numa quantidade menor que a venda direta dele”, afirma Wellington de Melo, editor e organizador da obra.

No documentário Onde estará a Norma (2007, dir. Bárbara Cristina, Jacqueline Granja e Patrícia Gomes), Miró diz trabalhar com fotografias urbanas. Pega o lado mais caótico e sacana da cidade. “Nesse sentido, ela (a poesia) é verossímil”, explica. Aproveita as calçadas, a arquitetura árida, os cheiros e buracos do Recife como mote para versejar. Quando essa inspiração não vem de forma seca e imediata – como em “Por trás de um ônibus lotado /

E uma cadeira vazia /Há sempre um grande vômito” –, vem com evidente lirismo: “Quatro horas / Quatro ônibus levando vinte e quatro pessoas / Tristonhas e solitárias / Quatro horas e um minuto / Acendi um cigarro e a cidade pegou fogo. / Cinco horas / Cinco soldados espancando cinco pivetes / Filhos sem pai / E órfãos de pão / Cinco horas e um minuto / Urinei na ponte e inundei a cidade / Seis horas / O Recife reza / E eu voando pra ver Maria.”

Não apenas o Recife é motivo poético: “Quantos sacos di cimento / há em ti São Paulo? / Quiçá meu coração não fique concreto / Alguma coisa acontece? / A elite vai em massa a eletra / Substantivo concreto / Quem lê os campos? / Substantivo abstrato / Náufragos dessa onda / Atenção para o toque di 8 segundos.”

Depois de ele falar sobre sua mudança de Muribeca, subúrbio da Região Metropolitana do Recife onde morou, para o centro da capital, resolvemos dar uma volta e seguir a um parque. Mas devagar, porque o poeta, já ébrio, fica tonto se andarmos rápido. No caminho, é cumprimentado por amigos e colegas de bar. “Sou popular”, diz, resumindo o óbvio. Passa a falar sobre o “alegrismo”. “Alegrista é quem bota para rir e pensar. O alegrista é o que diz na sua cara aquilo que você não quer escutar”, explica, tomando um gole de conhaque”.

E emenda: “a minha poesia, ela tanto faz rir quanto chorar. Ela é verossímil. Ela não alivia. Não espere de mim algo tão leve”.

“O tom desse livro novo é um desenvolvimento das reflexões de um Miró mais maduro, que refletem também uma nova espacialidade, com a mudança dele para o Centro, que curiosamente provocaram mais um lirismo existencial que a crítica social. Ainda está o humor, em alguns momentos, o que torna o tom de O penúltimo olhar… menos grave que a obra anterior (aDeus, permeada por tons existenciais e de solidão), mas sem abandonar esse olhar sobre o cotidiano, sobre a própria solidão”, explica Wellington de Melo.

O penúltimo olhar sobre as coisas (Mariposa Cartonera) é o seu décimo sexto livro. Antes dele vieram Quem descobriu o azul anil? (1985); São Paulo é fogo (1987); Ilusão de ética (1995); Entrando para fora, saindo para dentro (1997); Flagrante deleito (1998); Quebra à direita, segue à esquerda e vai em frente (1999); São Paulo eu te amo mesmo andando de ônibus (2000); Poemas para sentir tesão ou não (2002);Pra não dizer que não falei de flúor (2004); Onde estará Norma? (2006); Tu tás aonde? (2007); Quase crônico (2010);dizCrição (2012); Miró até agora (2013, antologia); e aDeus. Exceto o último, os demais foram publicados de forma independente e são difíceis de achar, mesmo em sebos.

Ainda há um livro pronto, provavelmente a ser lançado de forma independente: Não terás um centavo de minha alma. E Miró até agora ganha reedição revisada ainda este ano pela Cepe Editora, organizada por Wellington.

Suplemento Pernambucano

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