A festa acabou – Por Álamo Pimentel

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O clima das eleições municipais de 2016 foi de festa. Carnaval mesmo. Não fosse o grave momento político vivido pelo país, com a consumação do golpe que levou a cabo a democracia, a festa eleitoral deste ano seria apenas repetição do mesmo. Atravessamos todo o período de retomada da democracia brasileira participando de processos eleitorais fabricados em maquinarias de eventos festivos.

A carnavalização do voto não é novidade nem para quem a pratica, nem para quem analisa a política brasileira. Candidatas e candidatos são escolhidos como anfitriões de uma festa com prazo de validade curto. Passado o êxtase da brincadeira, eleitoras e eleitores reinauguram a temporada de reclamações dos resultados eleitorais. A euforia da escolha se transfigura na queixa contra aquelas e aqueles que foram escolhidos. Escolhe-se por simpatia para rejeitar-se por devoção: eis um dos maiores paradoxos dos processos eleitorais no Brasil.

Ao longo da campanha deste ano o sorriso fabricado em photoshop universalizou a imagem das candidatas e dos candidatos a prefeitos, vice-prefeitos e vereadores no Brasil. Apesar das diferenças partidárias, todas e todos sorriam no farto material publicitário que circulou ao longo dos meses de campanha. Além de difundir uma imagem que busca aproximar, distrair e contagiar eleitoras e eleitores, os sorrisos eleitorais escamoteavam posições das candidatas e dos candidatos quanto ao momento vivido pelo país. Salvo as candidaturas construídas ao longo de reconhecidas trajetórias de militância da esquerda para direita, a maioria dos sorrisos substituiu a consistência de propósitos pelo assédio lúdico-eleitoreiro. Uma farra do tamanho do país.

Pelas ruas de Santa Cruz Cabrália, um dos municípios do Território da Costa do Descobrimento no sul da Bahia, o comitê de campanha de um dos candidatos a prefeito fez circular as vésperas do dia das eleições, carro de som com uma marcha carnavalesca cujo refrão repetia: “mentiroso, mentiroso, não acredite em nada do que ele fala, esse cara é mala, esse cara é mala”. A troça contra o adversário silenciou o debate do contraditório. Durante o desfile do sete de setembro em Juazeiro da Bahia, norte do estado, a militância de um dos candidatos a prefeito pintou cabelos e barbas em tons de laranja para festejá-lo nas ruas no circuito oficial do desfile da independência. A celebração cromática disfarçava a posição do candidato na guerra ideológica dos últimos anos entre o verde-amarelo da direita e o vermelho da esquerda.

O registro de candidaturas para os parlamentos municipais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) oferece-nos um mapa do Brasil que inscreve o cômico no trato com a autoimagem daquelas e daqueles que pleiteiam o cargo de vereadora e vereador. Em Acrelândia (Acre) um candidato do PC do B autonomeou-se Calango. Em Amarante (Piauí), Bobo foi candidato pelo PTB. Em Baytaporã (Mato Grosso do Sul) Marcia da Pipoca, candidata do PMDB disputou uma vaga de vereadora. No Balneário Camboriú (Santa Catarina), Marcio Anhasco Pokemón entrou no páreo pelo DEM. Águas de Lindóia (São Paulo) teve o registro de um candidato que adotou a alcunha de Jaba Dog para representar o PHS na Câmara Municipal. A onomatopeia do ridículo expõe o mapa do Brasil ao cômico eleitoral. Fazer sorrir distrai e trai o compromisso cidadão com a gravidade do momento. Poucos arriscaram na seriedade no trato com a aparência pessoal na disputa pelo acesso à vida pública pelas vias eleitorais.

    O uso da graça na definição dos nomes e das candidaturas explora as ambivalências entre o protesto e a indiferença populares no momento da escolha. No ano de 1958 um rinoceronte do zoológico de São Paulo chamado Cacareco teve sua candidatura registrada sob a forma de protesto do povo de Osasco. Obteve cerca de 100 mil votos. No ano de 1988 os humoristas do Casseta e Planeta lançaram a candidatura do Macaco Tião, gorila do Zoológico do Rio de Janeiro. Protestavam contra a política na defesa do voto nulo. O Macaco Tião obteve quase 400 mil votos. O comediante Tiririca foi eleito Deputado Federal pelo estado de São Paulo por duas vezes (2010/2014) com mais de um milhão de votos. Apesar da duvidosa qualidade do seu humor a sua capacidade de produzir votos é inquestionável. O povo de São Paulo elegeu um bufão convicto.

A transposição do clima carnavalesco para a condução dos processos eleitorais consiste na combinação de dois fatores culturais que perpassam a história das eleições. Por um lado a aplicação intensiva de estratégias cômicas de marketing aproxima candidatas e candidatos do povo. A exploração propagandística do grotesco agrada e produz resultados. A competência para fazer sorrir vende bem no mercado dos afetos populares.

Do lado do povo, o carnaval expressa uma segunda forma de vida desde a Idade Média, como nos lembra o pensador russo Mikhail Bakhtin. Em festa o povo se desliga mais fácil da “realidade”.  Personagens, linguajares, resenhas da comédia cotidiana das eleições, dispositivos de gracejos, alegorias do ridículo e um sem número de recursos carnavalescos produzem fluxos culturais entre o oficial e o oficioso no meio da farra eleitoral. A história das instituições públicas é fabricada instantaneamente pelas intensidades dos momentos eleitorais. Quando a festa acaba, outros espaços-tempos incidem sobre os dramas do povo. A vida paralela adotada pelo povo para chegar às urnas esvai. Efêmera como todas as intenções e práticas sociais das distrações.

A festa das eleições municipais de 2016 começou e acabou no meio de um desastre político avassalador. Não houve tempo para grandes protestos contra o golpe que aniquilou o direito ao voto do povo brasileiro nas penúltimas eleições. Não houve luto, nem tristeza. A contestação da ruptura do processo democrático se reduziu a bases sociais muito modestas dos partidos e organizações que sustentam ideais programáticos, como princípio de constituição dos seus compromissos com as lutas sociais. Enquanto as bases consistentes para a transformação do atual cenário se reduzem, as bases efêmeras que produzirão os resultados destas eleições evaporam. Quando a festa acaba a vida pública esmorece. O povo recolhe-se no conforto da vida privada para nutrir a expectativa fugaz da alegria dos futuros carnavais.

 

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