“Sempre aos Domingos”, por Sibelle Fonseca: De que falam os homens? E as mulheres?

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“Nas suas rodinhas os homens só falam de futebol e de mulher”, dizem assim. Vá que eles falem sobre carro e política também, mas duvido que a maioria discorra sobre espiritualidade, religião, alma, sentimentos e emoções. O certo é que mulher é mesmo “o prato principal” da rodada.  A que comeu, a que deseja comer, a que pegou um dia, a que dá fácil, a que é pra casar, a top, a loura, a louca, a gostosa, a novinha, a despudorada, a empinada, a recatada e falam também, com muito rancor, sobre as desaforadas, as emancipadas, as tais “empoderadas”, as personas non gratas ou “feminazis”, umas chatas que ficam falando em direitos iguais e não precisam de validação do selo masculino.

E as mulheres? de que falam? Continuam falando de bordados, de receitas, cremes, príncipes, altar, costuras e costureiras? Tenho ficado mais atenta as conversas femininas e escutado que o tema principal entre elas é… homem. O segundo tema? Homem. E até o fim da conversa o assunto continua sendo homem. Falo de mulheres do senso comum, do qual também faço parte. E mesmo as politizadas e militantes, grupo que também me incluo, depois de discutirem sobre a conjuntura política deste país machista, patriarcal, racista, homofóbico, heteronormativo e outras pautas mais, pedem “uma questão de tempo”, para falar neles, os homens.

Já ouvi dizer que o problema é que homem está em extinção. Há mais mulheres do que homens no mercado. Eles, “produtos raros”. Aí dou-me a pensar nisso. Está faltando em quantidade ou em qualidade? Homens por aí existem às “tuias” e eles também estão à caça de mulheres para serem homens. Ou não? Só que quando elas conversam sobre homem, falam além pau, pegada, orgasmos e aventura. Elas estão falando em sentimentos, em cumplicidade, em companhia quem sabe para a vida toda, em afeto, em laços, em sonhos.

Frequentemente tenho observado isso nas rodadas de mulheres de todas as classes, idades, crenças e ideologias. Até nas que parecem mais liberadas. Elas ainda sonham com príncipes, constato. Elas procuram mais do que sexo. É a alma gêmea que ainda caçam.

E é aí que mora o problema. Eles procuram invólucros e elas conteúdo. Elas estão buscando alma nos homens. Eles estão buscando carne nas mulheres. Pra eles, basta química e pílula do dia seguinte. Elas querem a ligação nos outros dias. Eles estão amedrontados e correndo de compromisso. Elas desejam alguma aliança e planos para uma viagem. Eles somem no vento. Elas queriam conhecer a família toda. Eles querem todas e elas buscam um. Buscam “o cara”.

Sei que tem mulheres pra caramba consumindo vibradores, acessando sites de relacionamento, pagando aos meninos por uma noite de descarrego, dando na primeira vez, a quem e a quantos quiserem. E isso é libertador. Mas lá no fundo ainda vejo, que elas queriam essa liberdade muito bem acompanhada. Que houvesse partilha de sentimentos. Além de química, alma e poesia. Como aprenderam direitinho a ser românticas, as mulheres. Que treinamento poderoso esse a que foram submetidas.

Vai demorar um tanto de anos pra este castelo ruir ou talvez ele nunca desmorone. Falo isso porque, conversando com Alice, minha sobrinha que à época tinha 6 anos, perguntei com o que ela sonhava. A resposta foi quase que imediata: “sonho com o dia do meu “patrimônio” com José Lucas” (ela queria dizer matrimônio). Alice é orientada por uma feminista e quase nada normativa. Alice sonha em casar e já tinha escolhido sua primeira alma gêmea. Um menino. O homem dos seus sonhos.

Fiquemos atentas, amigas! A supervalorização do masculino nos leva a esquecer de buscarmos a nós mesmas. De nos sustentarmos emocionalmente. De nos garantirmos. Nos coloca em terríveis ciladas. Essa doença chamada carência tem graves efeitos colaterais. Essa ordem estabelecida nos impele a acreditar que tem que ter homem para ser mulher. E isso oprime, escraviza e adoece.

Seja uma mulher feliz com você. Complete-se. Suplemente-se. Seja mulher com falo, sem falo. Não aceite menos do que mereça e sonha. Selecione. Escolha você. Teste antes ou nem teste, ao menor sinal de que não vale a pena. Cuidado com os brutos, eles fingem que sabem amar. Cuidado com as expectativas, elas podem te levar a decepção. Não deposite tudo numa só conta. Invista em você, nos seus projetos, nos amigos, no labor, na sua completude e existência.

Deixa que eles conversem sobre carne. Continue falando sobre alma.  A sua alma, a alma que deseja. É essa busca que dá sentido ao mundo. Um mundo de almas, de sentimentos. Assim, mais que procriar filhos, você estará preservando a humanidade na espécie. A essência da vida, certamente.

Indago à Ananda, minha filha de 19 anos, sobre essas linhas e ela diz que meu texto está bem de revista Cláudia. Bobo e reforçando estereótipos. Que eu, “uma mulher inteligente”, poderia ser melhor. Aceitei a crítica e dou a mão à palmatória dela. Mas é que meu castelo não ruiu ainda. A base machista é sólida e a desconstrução, um processo. Ela me diz: “Mãe, a demanda é por afeto, por atenção. E essa é uma demanda de pessoas. Independe de gênero”.

Me calou a garota. Me fez pensar e quase desisti de publicar este texto bobo. Mas fui adiante porque valorizei a desconstrução da minha ideia que é a mesma do senso comum. Percebi que têm pessoas resistindo, reagindo e isso me esperança. Ainda bem!

PS: E antes que chame essa minha reflexão de machista e heteronormativa, o que também pode ser, aviso que este foi meu propósito. Sabendo que existe um universo de orientações, de possibilidades e jeitos de se buscar esse tal amor nas relações, quis falar de homem e mulher. Eu sou hétero e estou lendo a partir da minha perspectiva.

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, conselheira da mulher, mãe de quatro filhos, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e uma amante da vida e de gente.

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