Comitê da ONU diz que Lula deveria disputar eleição e participar de debates mesmo na prisão

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O Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) afirmou hoje à BBC News Brasil que acolheu pedido da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva e recomendou que o Brasil garanta os direitos políticos do ex-presidente que, mesmo preso, registrou sua candidatura à Presidência nas eleições de outubro na Justiça Eleitoral. “O Comitê pediu que o Brasil tome todas as medidas necessárias para garantir que Lula possa usufruir e exercitar seus direitos políticos enquanto está na prisão, como um candidato nas eleições presidenciais de 2018”, afirmou o órgão, em comunicado.

O texto se refere a uma solicitação feita em 27 de julho pela defesa do ex-presidente.

Em documento a que a BBC News Brasil teve acesso, o comitê da ONU solicita que os direitos preservados incluam “acesso apropriado à imprensa e a integrantes de seu partido político”. Segundo a decisão, também foi solicitado que Lula não seja impedido de “concorrer às eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final”.

O comunicado diz ainda que é importante destacar que essa é uma decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, ligado ao escritório de Direitos Humanos da Entidade, mas que é formado por especialistas independentes.

Mas o que isso significa na prática?

“Este pedido não significa que o Comitê tenha encontrado uma violação (contra Lula) ainda – é uma medida urgente para preservar o direito de Lula, enquanto se aguarda a consideração do caso sobre o mérito, que acontecerá no próximo ano”, informou à BBC News Brasil o Comitê de Direitos Humanos da ONU. No entanto, mesmo os signatários da convenção de direitos humanos da ONU não são legalmente obrigados a seguir uma recomendação do Comitê de Direitos Humanos, ainda que isso possa gerar desgaste junto à comunidade internacional.

O Comitê esclareceu ainda que o nome técnico da decisão é “medidas provisórias” e está relacionada à queixa apresentada pela defesa de Lula junto à entidade.

“O comitê, agindo pelos relatores especiais (…) tomou nota das alegações do autor (Lula) e concluiu que os fatos apresentados indicam a a existência de possível dano irreparável aos direitos do autor sob o artigo 25 da convenção”, afirma o texto da ONU. O artigo em questão diz que todos os cidadãos tem o direito “de votar e ser eleito em eleições genuínas que devem ser universais e em sufrágio igual conduzidas por voto secreto, garantindo a livre expressão dos eleitores”.

Por fim, o Comitê disse que “pediu ao Brasil que tome todas as medidas necessárias para garantir que Lula possa desfrutar e exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato nas eleições presidenciais de 2018”.

Visão da defesa do candidato

Para a defesa do ex-presidente, a decisão assegura a Lula o direito de disputar as eleições até o fim, mesmo tendo sido condenado em primeira e segunda instâncias a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro – condição que o coloca como impedido de concorrer, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Vai poder também dar entrevistas e receber correligionários.

“Diante dessa nova decisão, nenhum órgão do Estado Brasileiro poderá apresentar qualquer obstáculo para que o ex-presidente Lula possa concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até a existência de decisão transitada em julgado em um processo justo, assim como será necessário franquear a ele acesso irrestrito à imprensa e aos membros de coligação política durante a campanha”, informou, por meio de nota, os advogados Valeska Teixeira Zanin Martins e Cristiano Zanin Martins.

No entanto, mesmo os signatários da convenção de direitos humanos da ONU não são legalmente obrigados a seguir uma recomendação do Comitê de Direitos Humanos, ainda que isso possa gerar desgaste junto à comunidade internacional.

Lula com aliados políticos

A defesa de Lula tem acionado a ONU e informado o Comitê de Direitos Humanos sobre os desdobramentos das decisões contra o ex-presidente desde de 2016, quando os advogados de Lula decidiram recorrer à entidade contra o juiz Sérgio Moro, acusando-o de violar direitos.

A decisão desta sexta, segundo a defesa, considerou o argumento de que o artigo 25 do Pacto de Direitos Civis da ONU foi violado e que há risco de danos irreparáveis a Lula na tentativa de impedi-lo de concorrer nas eleições presidenciais ou de negar-lhe acesso irrestrito à imprensa ou a membros de sua coligação política durante a campanha.Os advogados de Lula afirmam ainda que, por meio do Decreto nº 6.949/2009 o Brasil “reconhece a jurisdição do Comitê de Direitos Humanos da ONU e a obrigatoriedade de suas decisões”.

Na avaliação de Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola da Direito da FGV-SP, a manifestação do comitê da ONU é uma “decisão forte”, mas sem efeito jurídico prático no sentindo de garantir que Lula dispute a eleição presidencial.

Ele ressalta que o STF já tomou decisões reconhecendo a validade da Lei da Ficha Limpa e que há maioria consolidada nesse sentido, tornando improvável uma mudança de entendimento.

“É uma decisão politicamente importante, agora o efeito jurídico dela eu diria é de soft law(quando a decisão não é de cumprimento obrigatório)”, nota Vieira.

“Da perspectiva da legislação brasileira, que foi confirmada pelo STF, o fato de você ser condenado em segunda instância é suficiente para privá-lo do seu direito de se candidatar. Então, nesse sentido, essa medida de emergência não têm efeitos práticos”, acrescentou.

Por outro lado, Vieira considera que a recomendação da ONU pode fortalecer os argumentos jurídicos da defesa de Lula ao solicitar o contato com jornalistas e aliados políticos. Até agora, o petista tem tido todos os seus pedidos do tipo negados pela juíza da 12ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, Carolina Lebbos. No entanto, isso ainda não foi analisado por cortes superiores.

Candidato já havia citado apoio da ONU

Na ocasião do registro da candidatura de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente emitiu uma carta aos brasileiros que já fazia referência à decisão do Comitê, dando a entender que estava ciente do posicionamento do órgão internacional.

“O comitê de Direitos Humanos da ONU já emitiu uma decisão que impede o Estado brasileiro de causar danos irreversíveis aos meus direitos políticos – o que reforça a impossibilidade de impedirem que eu dispute as eleições de 2018”, dizia o documento assinado por Lula.

O advogado que defende Lula internacionalmente, Geoffrey Robertson, levou inicialmente o caso de Lula ao Comitê de Direitos Humanos da ONU em julho de 2016 e em outubro seguinte o comitê aceitou dar início à avaliação do caso. A organização internacional só deverá se manifestar em definitivo sobre a situação do presidente quando todas as instâncias da justiça doméstica forem exauridas.

Em maio, o comitê chegou a negar uma outra medida cautelar que solicitava que Lula permanecesse solto até ser condenado em última instância. Esse pedido também fora apresentado pelos advogados brasileiros de Lula, Cristiano Zanin Martins e Valesca Teixeira Zanin, em conjunto com Robertson.

O registro da candidatura de Lula foi feito na quarta-feira e encaminhado para apreciação pelo ministro Luís Roberto Barroso do TSE. Diversos adversários e advogados de Lula já entraram com pedido de impugnação da candidatura dele, entre eles o deputado federal do DEM e líder do movimento MBL Kim Kataguiri e o ex-ator e político Alexandre Frota.

Na solicitação de candidatura Lula não anexou certidão criminal de condenação das regiões onde foi condenado Paraná e Rio Grande do Sul, mas do estado de São Paulo onde é residente, o que abre a discussão sobre a questão da elegibilidade frente a Lei da Ficha Limpa.

Fonte: BBC News

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