“Sempre Aos Domingos”, por Sibelle Fonseca: O “sem querer” também dói

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Pedir perdão é uma atitude digna. Perdoar, mais ainda. Mas o melhor mesmo é evitar a necessidade do perdão, antevendo o que pode causar dor a outrem. O “sem querer” também dói. O “não tive a intenção” machuca, de igual forma. Justificar nossas atitudes é uma forma de não nos preocuparmos com elas.

“Eu não tive a intenção”, “Foi sem querer”, ” Eu errei, mas …”, ” Foi uma reação”, expressões que usamos tão facilmente, que parece até que elas por si só, dissolvessem o mal que causamos a alguém, a palavra que feriu, o gesto que doeu, a atitude que minou o amor, a empatia que não veio.

Não sou adepta a preocupação com o amanhã, quando se trata de conquistar coisas ou sofrer por antecipação. Em tese, o amanhã não existe, e cada dia traz suas próprias preocupações. No entanto, é vital para a saúde das nossas relações, nos pré-ocuparmos com o outro, vigiando o tratamento que dispensamos e, intencionalmente, sendo o melhor que pudemos com quem nos cerca, com quem nos chega (o que jamais é por acaso).

Ter a consciência e percepção das nossas atitudes, previne dissabores nos relacionamentos, evita a destruição de laços afetivos. Quando nos pré-ocupamos com aquele amigo, aquele irmão, filho ou companheiro, o “fiz sem querer” não será preciso, jamais será usado.

Preocupar significa “ocupar antes”, “ocupar fortemente o espírito, prender a atenção a algo ou alguém, causar cuidados a.”

Entenda que preocupar-se com o outro, não é viver a vida do outro, nem julgar suas escolhas, muito menos condená-lo, ou achar-se no direito de machucá-lo porque ele não atendeu a sua expectativa, porque ele pensa e age diferente de você.

Outra expressão bem usada, quando queremos justificar nossas pisadas de bola com quem nos cerca, é o tal de “Foi por amor”. Ora, respeitemos o amor, por Cristo.

Quem ama não aponta o dedo, não dispara o gatilho das palavras duras, não menospreza, não vira as costas na hora que o pau quebra, não é ácido, nem insosso, muito menos imparcial.

Quem ama compromete-se. É mais leal, que fiel. Lealdade e fidelidade, são coisas bem diferentes. Fidelidade é acordo, regra, convenção, aceita-se ou não. Lealdade é confiança. É proteção mútua (o que é diferente de ditar caminhos). Proteger é que nem aquela brincadeira de “durinho durinho”, quando o amigo fixa os pés no centro, de olhos vendados, ficando livre para jogar-se pra frente, pra trás, seguro de que tem uma barreira adiante e nas suas costas, impulsionando-o ou segurando-o, mas ali de prontidão. Uma barreira feita de gente que ama e não uma corrente de resistência.

A lealdade é espontânea, é nobre. É até um exercício diário de sacrifício, quando você, mesmo não concordando com o jeito e o fazer do outro, permanece ao lado. Torce para que tudo dê certo e, se não der, vai continuar ali. Afinal, as lágrimas são individuais, qualquer dor é particular. O que cabe a lealdade é ter um lenço na mão pra ofertar, um colo, um abraço.

Amar é respeito puro ao que o outro representa.

Quem ama não bate, nem com palavras, nem com o silêncio. Quem ama não mata, nem confiança, nem nenhum  sentimento. Que ama contemporiza, é cuidadoso, é generoso. Quem ama enxerga além do que o outro faz com a própria vida. Enxerga o que ele já fez e é para nós. E isso é gratidão!

Preocupar-se com o outro é amá-lo, apesar dele ser assim ou assado. É sempre querer não machucá-lo. É nunca não ter alguma intenção. Porque amar tem só as melhores intenções.

Sou dessas que acha que amar é fácil. Talvez seja porque eu aprendi a respeitar as escolhas de quem eu amo e até a acolhê-las. Talvez seja porque, a idade avança, e eu não tenho mais tempo a perder com julgamentos e condenações. Eu me absolvi, absolvendo os outros. A vida, a cada dia, fica curta demais para tantas contendas e complicações. Eu tenho aprendido a simplificar. E não estou falando aqui somente do amor que mexe com hormônios e sensações. É de algo ainda mais sublime. Falo daqueles amores que sempre estiveram ali pra você e, que você tem certeza que estarão, apesar de qualquer intercorrência.

Eu não quero mais repeti que machuquei os meus “sem querer”, porque o “sem querer” também dói. E fazer doer machuca o amor, gera indiferença. E tudo que eu não aprendi nestes anos foi ser indiferente a nada e nem a ninguém. Do meu jeito, torto, intenso, dado a exageros, foi a amar que eu aprendi.

Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, conselheira da mulher, mãe de quatro filhos, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e uma amante da vida e de gente.

 

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