Arany Santana: A cultura, ao lado das medidas sanitárias e sociais, está salvando vidas

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Diante da lastimável situação do setor cultural no país, justamente em função da pandemia do novo coronavírus que nos assola desde março deste ano, paralisando todas as atividades da categoria, 26 órgãos de cultura do Brasil assinaram uma carta de apoio à criação da Lei Nacional de Emergência Cultural, lançada pelo Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e endereçada ao Congresso Nacional.

Entre os órgãos envolvidos está a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult-BA). A TARDE conversou com a secretária estadual de Cultura, Arany Santana, para entender mais detalhadamente como vai funcionar essa lei emergencial e quais as resoluções definidas para a classe artística.

Como está sendo a participação da Bahia na criação dessa lei emergencial?

A Secult vem, desde 2019, acompanhando o trabalho legislativo, no que tange à cultura, no Congresso Nacional. Para nós, ficou evidente que os desmontes acentuados no atual governo federal impactariam demais o nosso campo, e uma das maneiras de contermos o prejuízo seria nos organizarmos institucionalmente em algumas frentes. Assim, logo que fomos surpreendidos com a interrupção das nossas atividades e com inúmeros prejuízos, entendemos que, sem o Congresso, não teríamos como pressionar o governo a agir. São muitos os debates e as necessidades. Externamos a maior preocupação dos estados: o descontingenciamento do Fundo Nacional de Cultura, do Fundo Setorial do Audiovisual, e sua obrigatória execução. É fundamental que estes recursos sejam descontingenciados e transferidos aos fundos estaduais para execução de políticas emergenciais e de investimentos num setor tão importante, tanto simbolicamente quanto economicamente.

O setor da cultura está seriamente prejudicado com o isolamento social e alguns artistas estão, realmente, em situação de abandono absoluto. Muitas vezes sem condições até de se alimentar. Qual o prazo para essa medida sair do papel?

O presidente da Câmara deve colocar em pauta esta semana. Estamos mobilizados e empreendendo muitos esforços em agilizar a tramitação por parte do Congresso.

Os valores desse auxílio serão distribuídos de que forma? Quem vai ganhar quanto?

O auxílio emergencial ao setor cultural está, através de emenda, previsto no PL (projeto de lei) 873. Este auxílio vai de R$ 600 a R$ 1.200 em casos de mulheres chefes de família. A Lei da Emergência Cultural, ainda em construção e debate, pretende incorporar outras garantias, como prazos para execução de contratos e convênios, suspensão de cobranças de taxas e tributos etc.

Qual a previsão de duração dessa concessão de benefícios, sobretudo se lembrarmos que a classe artística deve ser a última a voltar com suas atividades? 

Precisamos ver como ficará o texto da lei. Mas nossa defesa é de que dure até o retorno total das nossas atividades, em sua integridade. E sabemos que pode durar.

A senhora concorda que a cultura é uma área que está em constante situação de emergência?

Sim, e tenho afirmado isso. A crise sanitária evidenciou questões centrais que os brasileiros vinham enfrentando em doses homeopáticas faz tempo. A cultura é uma delas. Qual foi a primeira providência que o presidente Temer tomou, ao assumir, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff? Extinguir o Ministério da Cultura. O ministério permaneceu após forte mobilização social, mas teve suas funções diminuídas com investimentos baixíssimos e descontinuidades preocupantes. Os estados não aguentam, sobretudo os mais pobres, a desproporção entre responsabilidades e falta de recursos, além de baixa institucionalidade.

Por que as verbas destinadas à cultura, tanto no âmbito estadual quanto municipal e federal, são sempre as de menor valor? A cultura não é imprescindível para a sobrevivência?

Sim, indubitavelmente. Uma lição que esta crise, sem precedentes para nossa geração, nos deixará, é que a cultura, ao lado das medidas sanitárias e sociais, é quem está salvando vidas. Hoje, no isolamento, qual a grande companhia? O livro, a música, o filme, as ‘lives’, a novela, que seja. As trocas de receitas, esse conjunto de práticas, das simples às complexas, que nos constituem como sujeitos. Temos uma grande oportunidade de disputar esse valor fundamental na sociedade. Porque afinal de contas é isso, disputar, no conjunto de políticas a cultura como valor. E que esta demanda seja não só do nosso campo, mas de toda a sociedade.

Qual o papel da cultura nessa pandemia?

Fundamental. Muitas pessoas estão sobrevivendo por poderem fruir desse bem central da constituição da nossa identidade. Ou identidades. Todos os esforços nesse sentido são muito bonitos. Mas não podemos romantizar. Precisamos de investimentos para garantir proteção, políticas e o apoio necessário para que o conjunto da sociedade possa desfrutar deste bem essencial.

A secretária nacional de Cultura, Regina Duarte, tem sido duramente criticada, sobretudo pela classe artística por estar inoperante desde que assumiu a secretaria há mais de dois meses. O que a senhora tem achado do comportamento e da postura de Regina Duarte?

O fórum de secretários publicou carta do qual sou signatária, para falar o minimo. Lamentamos pelo país. Nosso compromisso, na Bahia, é com  o conjunto da sociedade que depende de nós neste apagão do Governo Federal.

Uma das principais queixas de Regina é relacionada à questão da burocracia. Diante da urgência da criação dessa lei, acredita que vão driblar a burocracia e conseguir dialogar com a secretaria de Cultura, que está atrelada ao ministério do Turismo?

Quem lida com o serviço público e com a gestão pública precisa lidar não com a burocracia, mas com um conjunto de regras. Trabalhamos para ter  celeridade, mas o que se vê pelas declarações da secretária especial da Cultura são entraves políticos revestidos de burocracia. Não pode ser entrave, pois a própria crise cria situações de emergência que podem dar celeridade a processos e cobrar responsabilidades. Tivemos exemplos aqui no Nordeste de como a crise acelerou até tramitações em leis.

Por falar nisso, o que a senhora acha da Cultura não ter um ministério próprio e estar vinculado ao Turismo?

A Cultura é um elemento estruturante, apesar de muitas vezes ser tratada de forma rasa, ela é muito diversa e por consequência, complexa. É digna de uma pasta no Executivo nacional que a reconheça e trate, considerando suas potencialidades e dimensões. Eu, Arany Santana, pude me afirmar no mundo por entender a força da Cultura.  Sou uma mulher da Cultura. Ela tem um poder transformador imensurável, um valor fundamental para qualquer país, em especial o nosso. Vamos avançar!

A Tarde

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