Candidatos a deputado federal de vários partidos lançaram uma iniciativa inédita: a Bancada da Cannabis. O objetivo é ampliar a discussão sobre a erva dentro do Congresso Nacional, e dialogar com legendas conservadoras, como PSDB e NOVO.
Encabeçado por Maisa Diniz, da Rede em São Paulo, o projeto ganhou adesão de outros candidatos, como Paulo Teixeira, do PT paulista, que concorre à reeleição, e André Barros, do PSOL fluminense, advogado da Marcha da Maconha.
“A legalização da cannabis nunca foi tão urgente. Diante de um mercado criminalizado e o potencial de cura de uma planta que ajudaria milhões de pessoas no Brasil, um dos países que mais sofre de depressão e ansiedade no mundo, é imprescindível levarmos a Cannabis para o Congresso Nacional de forma definitiva”, traz uma carta publicada no site da bancada.
O texto fala na regulamentação não apenas do uso medicinal, mas também dos problemas gerados pela proibição – o encarceramento em massa de jovens negros e pobres – e do potencial de negócio.
Duas semanas atrás, o assunto foi destaque em uma coluna de Carla Jimenez no Intercept – ela falou justamente sobre a falta de coragem de políticos para falarem de cannabis. “Os moralistas querem continuar com um discurso arcaico sobre a maconha, quando ela já faz parte de um debate sobre saúde, segurança e… negócios bilionários”, Jimenez escreveu.
Confira na íntegra a carta assinada pelos candidatos:
O ano é 2022 e a legalização da cannabis nunca foi tão urgente. Diante de um mercado criminalizado e o potencial de cura de uma planta que ajudaria milhões de pessoas no país que mais toma Rivotril no mundo, é imprescindível levarmos a Cannabis para o Congresso Nacional de forma definitiva.
O preconceito e a desinformação são barreiras sólidas diante da desconexão entre a ciência, a tecnologia e as políticas públicas que têm sido adotadas no Brasil. A partir da experiência de países que estão na nossa frente no processo de regulamentação, como Israel, Estados Unidos e Portugal, precisamos encontrar uma solução efetiva diante da guerra às drogas.
Nós, candidatos e candidatas abaixo-assinados neste manifesto, pretendemos acabar com a hipocrisia que envolve a questão da Cannabis no Brasil, colocando as eleições de 2022 como um marco deste processo.
Não podemos mais permitir que dogmas ou a desinformação vençam o debate sobre o assunto. Há milhões de brasileiros que têm sido prejudicados todos os dias devido a esse tabu: mães de crianças autistas, cuidadores de doentes de Alzheimer e uma legião de pessoas que sofrem com sintomas de ansiedade e depressão.
A regulamentação da cannabis, porém, precisa ir além dos fins medicinais. O Brasil convive com um ciclo trágico que gera o aprisionamento de milhões de jovens pobres, quase sempre negros, decorrentes do flagrante policial de drogas em pequenas quantidades.
A solução canábica também vai muito além da questão de segurança pública. Os exemplos pelo mundo deixam evidente que o Brasil diariamente perde tempo neste mercado, que criará milhões de empregos e bilhões de reais em impostos para o Estado.
Em suma, há uma série de motivos para avançar na regulamentação da cannabis. O que precisamos agora é discutir essa pauta de forma madura, racional e democrática. O trabalho feito no Parlamento até aqui tem muito mérito, mas precisamos dar maior atenção e protagonismo ao debate. A hora é agora.
Assinado: Carta da Cannabis
O que é Cannabis?
Cannabis é um gênero de plantas originárias da Ásia e que, tem em sua família plantas como a maconha e o cânhamo.
A maconha (Cannabis sativa subespécie sativa) é considerada no Brasil, e em vários outros países, uma droga ilícita, devido ao alto teor de THC, que é o principal elemento tóxico e psicoativo da planta. O THC é responsável por deixar a pessoa com uma “brisa”.
Por outro lado, o cânhamo (Cannabis sativa subespécie ruderalis), que tem várias propriedades iguais da maconha, tem baixos níveis de Tetrahidrocanabinol (THC<1%), e isso faz com que seja muito visada para fins terapêuticos. No cânhamo há a presença do Canabidiol (CDB), principal componente extraído para fins terapêuticos.
Outro fato interessante é que são plantas dióicas, ou seja, possuem exemplares masculinos e femininos, e a quantidade de canabinóides varia, sendo que a planta fêmea possui maior quantidade.
E a maconha, é um remédio?
Como diz o ditado: “A diferença entre o remédio e o veneno está na dose”. Existem produtos farmacêuticos que precisam ser administrados em concentrações extremamente baixas para ter os efeitos terapêuticos esperados, mas caso sejam tomados em doses elevadas, podem causar riscos para a saúde e até levar à morte do paciente.
Um bom exemplo é o medicamento captopril, ou capoten, para a hipertensão. Ele é feito a partir de uma substância encontrada no veneno da jararaca brasileira, que é venenosa.
No caso da maconha, a planta por si só não é um remédio, porém, os componentes dela extraídos, se aplicados nas doses corretas após a formulação, podem ser utilizados para o tratamento de diversas doenças.
Como já mencionamos, um dos componentes mais conhecidos para fins terapêuticos e medicinais é o Canabidiol (CBD).
Canabidiol
O canabidiol é um dos compostos canabinóides obtidos da maconha. Ele é biologicamente ativo, porém não psicoativo, ou seja não deixa a pessoa “chapada”.
O CBD possui potencial terapêutico, e tem sido estudado e utilizado em diversos tratamentos como:
- Ansiedade
- Depressão
- Distúrbios do sono
- Glaucoma, diminuindo a pressão intraocular
- Epilepsia
- Anticonvulsivante
- Câncer
- Dores crônicas (de origem oncológica ou neuropática)
- Náuseas e vômitos (causados pela quimioterapia)
- Inapetência (ausência de apetite ocasionada pela quimioterapia)
- Parkinson
- Alzheimer
- Autismo
- Espasticidade
- Esclerose múltipla
Para o tratamento de dores crônicas, o efeito ocorre pela ação analgésica da molécula no organismo.
Em doenças do sistema nervoso, a molécula auxilia no tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como esquizofrenia, Parkinson, esclerose, epilepsia ou ansiedade.
Como funciona o Canabidiol?
O canabidiol age como um sistema chave-fechadura, onde o composto é reconhecido pelo corpo do paciente.
O corpo humano produz determinados canabinóides por conta própria, e também possui dois receptores para canabinóides, chamados de receptores CB1 e CB2, além de produzir moléculas que atuam sobre eles.
Os principais receptores canabinóides se localizam no sistema nervoso central, em células do sistema imune e em alguns tecidos periféricos, porém sua ação pode ocorrer por mais de uma via receptora.
- Os receptores CB1 estão presentes em todo o corpo, mas com maior concentração no cérebro. Eles atuam sobre a coordenação, movimento, dor, emoções, humor, apetite, memória, etc.
- Já os receptores CB2 são mais comuns no sistema imunológico. Eles afetam a inflamação e a dor.
Administração do produto
Existem diferentes formas de administrar o CBD ao paciente, que pode utilizar o fármaco na forma de solução de óleo, spray nasal ou comprimido, sendo que todas essas formas e doses devem ser prescritas por um médico responsável.
Os medicamentos à base da planta podem ter concentração de até 0,2% de THC, sendo que, dosagens com concentração maiores deste componente só poderão ser recomendadas para pacientes em estado terminal, ou que não tiveram melhora com nenhuma outra forma de terapia. Isso porque o THC pode ocasionar a dependência.
O que diz a legislação brasileira sobre a cannabis?
No final de 2019 a ANVISA aprovou o registro e venda de medicamentos feitos à base de Cannabis, mas vale lembrar que o cultivo da planta continua proibido no Brasil, assim como o comércio (configurado como tráfico) e seu uso recreativo.
Com a autorização da ANVISA, alguns processos serão simplificados para quem precisa de fármacos derivados da planta, sendo as principais mudanças:
- O paciente não precisará mais informar a quantidade do medicamento a ser importado, essa exigência passa a ser cumprida por agências competentes;
- A validade da autorização da importação do medicamento passa de um para dois anos;
- Fica extinta a lista de produtos analisados pela ANVISA, evitando assim o favorecimento indevido de empresas e produtos;
- O medicamento pode ser importado pelo responsável legal do paciente ou por procurador legalmente constituído;
- Não será necessário o envio postal de documentação. Após a aprovação oficial, o pedido de autorização será feito exclusivamente online pelo Portal Único do Cidadão.
Redação PNB, com informações Intercep