Minha mãe me fez um pedido emocionado. No meio de um papo nosso, ela, chorando, disse que somente eu poderia atender ao seu pleito. Arregalei o olho, achando que era alguma coisa demais. Pra piorar, ela disse ser uma coisa que ela não sabia e nem podia fazer. Aí tremi. Como assim uma coisa que ela não sabe, não pode fazer e somente eu poderia fazer por ela? Senti um misto de medo e de orgulho. Quanta confiança dela e responsabilidade para mim.
Aos 84 anos e vivendo a vida na cama, minha mãe tem uma espiritualidade peculiar. Nunca foi de ir a missas ou rezar terço. Mas, pensem numa entidade do bem! Alegria encarnada, mesmo presa em uma cama, né pra qualquer um não. Nem a graciosidade que ela nos passa a maior parte do tempo. Palavra de força, é com ela mesmo. Empatia ocupa aquele leito todinho. Assim ela me evangeliza e me diz que tem que ter alegria, graça, força e empatia para se viver uma vida.
Curioso, curiosa pra saber o pedido que ela me fez?
Primeiro rodeou, rodeou, e disse que o sonho dela era fazer uma crônica, porque ela precisava homenagear uma pessoa. Daí veio o pedido e eu respirei aliviada. Vamos a crônica!
Pedi que ela falasse livremente do seu homenageado, ouvi sua emoção, fui anotando umas falas. E sintetizo aqui tudo que ela queria dizer, com a palavra GRATIDÃO!
Minha mãe queria agradecer a alguém que “parece que advinha” seus desejos e necessidades e nem precisa pedir para que ele, de pronto, a atenda. É um amendoim que traz da rua, seu queijo coalho, a fralda que não deixa faltar, o forro da cadeira que tem que trocar, os óculos que estão precisando consertar, o remédio antes de acabar a outra caixa, aquele bodinho seco com abóbora …
“Ele fica atrás de tudo que eu quero. Um amor de pessoa, minha filha!”, confidenciou e destacou um valor do seu homenageado que eu apreciou muito.
“Ele combina tudo comigo. Que vai fazer isso, que vai fazer aquilo e pede minha opinião, sabia?”
Percebamos o quanto é importante para qualquer pessoa, ainda mais para aquelas que sofrem o peso social da inutilidade, serem ouvidas. Vistas. Vem do etarismo subestimar os idosos. O costume é infantilizá-los. Há até quem os façam de besta e se aproveitem deles. A estes a vida vai cobrar e eu espero que eles não morram antes.
A crônica que minha mãe queria escrever retrata sua alma, o que eu jamais poderia alcançar. Mas, me esforçando para atendê-la, eu, essa sofrível cronista, consegui extrair mais uma lição evangelizadora da minha mãe.
Sim, tem que ter alegria, graça, força e empatia para se viver uma vida. Tem que ter gratidão, acima de tudo!
E gratidão é coisa que se deve expressar. Quando, onde e como for possível. Se todos os dias, melhor. Sempre temos alguém ou algo para agradecer.
Gratidão é coisa de gente nobre! Minha mãe é nobre e o seu homenageado também é nobre! Disso tenho certeza.
“Eita que sorte a minha ter encontrado Marcelo, viu, Sibelle?”, revelou ela falando do seu genro, que é um cunhado e primo, carnal, espetacular, como minha mãe fez questão de evidenciar.
“Ele é espetacular!”
Sim, são espetaculares as pessoas do bem. As que são empáticas, gratas, generosas e fazem o mundo de alguém bem melhor. Os que sabem se doar e amar em gestos, são espetaculares.
Os que vivem a vida com alegria, graça, força, empatia e gratidão, são espetaculares!
Dentro da minha pequenez, realizei o pedido da minha mãe e lhe digo: Quanta dignidade tem neste seu envelhecer, minha rainha!
Sibelle Fonseca é radialista, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, humanista, mãe de 4 filhos, humana de Diana, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e animais, uma amante da vida e de gente.