Dia Mundial de Conscientização do Autismo: Um diagnóstico que muda vidas, por Rayza Rocha; confira os desafios e avanços na busca por inclusão

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(Reprodução: internet)

No dia 2 de abril, o mundo se une em uma importante reflexão sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Criado pela ONU em 2007, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo reforça a necessidade de inclusão e combate ao preconceito.

O Transtorno do Espectro Autista é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por padrões atípicos de comunicação e interação social, além de comportamentos repetitivos e restritos. Apesar de existirem características comuns entre pessoas autistas, cada indivíduo no espectro tem suas próprias habilidades, desafios e formas de se expressar.

Os sinais do TEA podem ser detectados ainda na infância e persistem na adolescência e  vida adulta. O diagnóstico precoce possibilita intervenções mais eficazes, ajudando na socialização, comunicação e adaptação da criança.

O espectro se manifesta em três níveis, definidos pelo grau de suporte necessário: nível 1 (suporte leve), nível 2 (suporte moderado) e nível 3 (suporte elevado).

Em Juazeiro, no norte da Bahia, 413 pessoas com TEA recebem acompanhamento pelo Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS I). Outros pacientes são atendidos pela rede básica de saúde e por clínicas privadas. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), o município tem 846 pessoas com algum tipo de deficiência, seja física, auditiva ou neurodivergente, incluindo o TEA. Entretanto, os dados detalhados sobre os diferentes diagnósticos ainda são limitados.

Um diagnóstico que muda vidas

Para muitas famílias, o diagnóstico de autismo chega com um misto de sentimentos: alívio por finalmente entender as particularidades, mas também insegurança diante dos desafios que virão. É o caso da moradora de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, Cláudia Marques, mãe de Guilherme Olinda, diagnosticado com TEA nível 1 aos 2 anos.

“O primeiro sinal foi o atraso na fala. Até um aninho, ele balbuciava bastante, mas nunca chegou a falar nenhuma palavra. Diante disso, buscamos uma neuropediatra e, a partir daí, iniciamos a intervenção”, relata Cláudia.

Ela conta que o diagnóstico trouxe respostas, mas também desafios diários.

“Não é fácil, porque é um mundo novo para nós, cheio de incertezas. A gente se sente perdido, mas ao mesmo tempo, é um alívio saber como prosseguir. Além do diagnóstico, que já foi difícil, tive que lidar com a decisão de parar de trabalhar. Sempre fui independente e, de repente precisei escolher entre minha profissão e a evolução do meu filho. Não me arrependo da minha escolha e me sinto privilegiada por poder acompanhá-lo. Infelizmente, sei que nem todas as mães têm essa possibilidade”, disse.

Com o acompanhamento profissional, Guilherme tem evoluído, e Cláudia reforça a importância do acolhimento e do suporte especializado.

“A evolução tem sido enorme. É perceptível a diferença que as terapias fazem, especialmente com a intervenção precoce. Hoje, só tenho gratidão por todo o avanço dele. O acompanhamento profissional está ajudando no seu desenvolvimento, permitindo que ele cresça e compreenda o mundo à sua maneira”, conclui Cláudia.

Se para crianças o diagnóstico precoce abre caminhos para um melhor desenvolvimento, para muitos adultos a ausência dessa resposta ao longo da vida gera frustrações e inseguranças. Também de Petrolina, Cleandson Sobral passou boa parte da vida sem saber que era pessoa com autismo. Diagnosticado aos 22 anos com TEA nível 1, ele conta que sempre teve comportamentos atípicos, mas por falta de informação nunca recebeu o suporte adequado.

“Minha infância foi bem diferente. As pessoas diziam que eu era cheio de ‘frescuras’. Eu evitava ajuda para tarefas do dia a dia, tinha muita sensibilidade nos pés e odiava usar sapatos. Também sempre fui muito seletivo com a alimentação. Aos 4 anos, aprendi a ler sozinho, sem nunca ter ido à escola, e, por isso, nunca acharam que houvesse algo ‘fora do normal’. Como havia pouca informação, minhas manias e compulsões eram vistas como personalidade forte ou chatice. Isso impactou minha autoimagem e me fez mascarar meu desconforto em público, o que me deixava extremamente exausto e desconfortável”, relata.

Hoje, Cleandson compreende que suas dificuldades não eram exagero, mas sim características do espectro.

“Foram várias sessões com a neuropsicóloga até fechar o laudo. No começo, entrei em negação, porque foi um choque receber o diagnóstico aos 22 anos. O processo de aceitação foi longo, mas também libertador. Tudo fez sentido. Receber o diagnóstico me ajudou a entender uma parte de mim que sempre foi um mistério”, diz Cleandson.

Ele também compartilha os desafios que ainda enfrenta.

“Meu maior desafio é a rigidez cognitiva e a não aceitação das pessoas quanto ao meu diagnóstico. Como sou nível 1, muitos acham que não enfrento dificuldades, mas o autismo não se mede apenas pela intensidade das dificuldades, e sim pelo impacto que elas têm na vida de cada um”, conclui.

O neuropsicólogo que atende pacientes com TEA no Vale do São Francisco, Raphael Alves, especialista em Transtorno do Espectro Autista, explica que a avaliação neuropsicológica é fundamental para compreender o perfil do paciente e identificar suas habilidades preservadas e prejudicadas.

“A avaliação permite caracterizar o perfil cognitivo e comportamental do paciente, contribuindo para um melhor entendimento do quadro clínico. Trata-se de um exame estruturado, com testes padronizados e respaldo científico. Apenas um psicólogo habilitado pode conduzir essa avaliação”, explica Raphael.

O especialista reforça a importância do acompanhamento multidisciplinar para o desenvolvimento dos neurodivergentes.

“As intervenções são essenciais para melhorar a funcionalidade do paciente. Devemos estimular habilidades sociais, comunicação, regulação emocional e aprendizado. O trabalho multiprofissional com neuropediatras, neurologistas, psicólogos, psiquiatras, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais é importante para a qualidade de vida dessas pessoas”, destaca.

Além do suporte individual, a construção de uma sociedade mais inclusiva passa pela conscientização e adaptação dos ambientes. Raphael enfatiza que a compreensão sobre o autismo é essencial para derrubar estigmas e garantir oportunidades mais justas.

“A promoção de ambientes inclusivos e adaptados às demandas de pessoas autistas é consequência de uma maior compreensão sobre o transtorno e suas peculiaridades. Transtornos mentais frequentemente são associados a sofrimento ou incapacidade, e é importante frisar que pessoas com autismo podem desenvolver habilidades e ter uma vida plena. Lidar com os estigmas e preconceitos são passos que ainda precisamos dar enquanto sociedade”, afirma.

Lei Berenice Piana

No Brasil, a Lei Berenice Piana (2012) garante direitos fundamentais às pessoas autistas, incluindo acesso ao diagnóstico precoce, tratamento pelo SUS e inclusão no sistema educacional e no mercado de trabalho.

Em Juazeiro, pessoas com suspeita de TEA podem ser atendidas em uma Unidade Básica de Saúde. Dependendo do caso, o paciente pode ser encaminhado ao Centro Regional de Prevenção, Reabilitação e Inclusão Social (CERPRIS) ou ao CAPS Infanto-juvenil para suporte especializado.

Em Petrolina, o primeiro acompanhamento acontece na Atenção Básica, onde o paciente passa por uma avaliação inicial. Logo após é encaminhado via regulação para acompanhamento na Policlínica Municipal para início de atendimento adequado com respectivos especialistas, como fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, neuropediatra, e psiquiatras infantis.

Outro avanço na inclusão foi a criação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), prevista na Lei Romeo Mion (2020). Emitida gratuitamente, a carteira facilita a identificação da pessoa autista e assegura prioridade no atendimento em serviços públicos e privados.

Apesar dos progresso, ainda há um longo caminho para garantir que pessoas autistas tenham seus direitos respeitados.

“Embora existam muitas pautas envolvendo autistas no Vale do São Francisco, acredito que muitas coisas ainda precisam ser feitas para que haja uma inclusão propriamente dita aqui. Falta mais conscientização por parte da população e dos órgãos públicos, a inclusão tem que ocorrer de forma eficaz”, disse Cleandson.

 

Redação PNB, por Rayza Rocha

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