“Quem teve três não tem nenhuma: as filarmônicas de Juazeiro“ Por João Gilberto Guimarães

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(Foto: Professor Parlim)

Juazeiro, no final do século XIX e começo do XX, não era apenas a capital do comércio e navegação no São Francisco: era também uma cidade onde a música soava como orgulho e também como identidade de classes. Em meio às dificuldades da época, os juazeirenses se lançaram à bela missão de organizar filarmônicas — agrupamentos que, além de abrilhantar as festas, serviam de escola para formar músicos e familiarizar a juventude com a “divina arte”. Um feito que, para uma cidade do interior, não era pouco. Mas o que parecia ser um marco de força cultural acabou, ao longo dos anos, se dissolvendo, deixando uma lição amarga que diz muito sobre Juazeiro: quem teve três, hoje não tem nenhuma.

A história começa com a Filarmônica Minerva Canguçu. De vida breve, sua principal herança foi o instrumental, que passou às mãos do Clube Comercial. Assim surgiu, em 1895, a Filarmônica Clube Comercial, responsável por animar a grande inauguração da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, em fevereiro de 1896. No entanto, como já parecia ser destino das nossas filarmônicas, desentendimentos internos — desta vez entre o presidente do Clube, Abílio Barbosa, e os músicos — levaram à dissolução do grupo. Mas a música persistiu. Com o instrumental da Clube Comercial, surgia a Sociedade Filarmônica 28 de Setembro, tendo à frente o próprio Abílio Barbosa. Sua estreia aconteceu em 15 de novembro de 1897, comemorando a proclamação da República. Ao longo das décadas, a 28 de Setembro levou o nome de Juazeiro para além das margens do São Francisco: Senhor do Bonfim, Salvador — por onde passou, foi aplaudida pela excelência e entusiasmo. Contudo, em 1949, também ela encontrou seu fim, sobrando apenas o clube social 28 de setembro que hoje encontra em ruínas, prestes a desabar sobre a cabeça dos passantes.

Enquanto isso, outra semente musical brotava: a Filarmônica Apolo. Criada como projeto pessoal do Coronel Antônio de Oliveira Sampaio, a Apolo enfrentou insatisfação interna e se viu transformada, em 1901, na Sociedade Filarmônica Apolo Juazeirense, sob liderança de Manuel Faustino Damázio. A Apolo brilhou em eventos memoráveis, como a recepção a Rui Barbosa em Salvador, em 1919. Porém, a história se repetiria: em 1951, a filarmônica extinguiu-se permanecendo como clube recreativo, este ainda de pé e bem conservado.

Não bastassem essas perdas, também se apagou a chama da Filarmônica Primeiro de Maio, fundada em 1937 pela Sociedade Beneficente dos Artífices Juazeirenses. Mais uma instituição que manteve viva a música por um tempo e depois silenciou, restando apenas a sua sede, também em ruínas.

É de lamentar profundamente. Enquanto tantas cidades sequer puderam sonhar com uma filarmônica, Juazeiro ostentava três. Três escolas de música, trêspilares para nossas festas cívicas, religiosas e populares. Três fontes de formação artística e cultural. Hoje, nenhuma.

Recentemente, em encontro com o gestor da pauta cultural de Juazeiro, o deputado Zó (Crisóstomo Lima) sinalizou a destinação de uma emenda para a retomada da Filarmônica Municipal, sem dúvidas, um equipamento importante e necessário para uma cidade do porte de Juazeiro que ainda traz, mesmo que timidamente, uma lembrança de um vultuoso passado cultural que teima em re-existir.

Por João Gilberto Guimarães Sobrinho, juazeirense, produtor cultural, cientista social formado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, entusiasta do resgate da memória histórica de Juazeiro e pesquisador das Políticas Públicas de Cultura.

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