“11 de setembro: Memórias que não cicatrizam”, por Ally Vianna

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Entre a queda de Allende, as torres em chamas e a condenação de Bolsonaro, as feridas da América do Sul

O 11 de setembro retorna sempre como um fantasma. Em 1973, no Chile, o bombardeio a La Moneda não destruiu apenas paredes: interrompeu um projeto de democracia radical, de redistribuição e dignidade. Allende morreu no palácio sitiado, e junto dele ruiu a esperança de um país que buscava trilhar outro caminho. Esse trauma ainda reverbera como uma ferida mal suturada, que insiste em latejar sempre que se toca o tema da soberania latino-americana.

Trinta anos depois, em 2001, o mundo assistiu às torres de Nova York desabarem em transmissão ao vivo. O mesmo dia, em contextos distintos, revelou como a data se tornou signo de colapso: no Sul, a queda de um presidente eleito; no Norte, a vulnerabilidade da potência que sustentara tantos golpes em nome da estabilidade.

No Brasil, o eco veio em outra data, 31 de março de 1964. João Goulart foi deposto com apoio dos Estados Unidos, e o país mergulhou em vinte anos de ditadura. Não é coincidência, mas sintoma de uma engrenagem maior: sempre que projetos de emancipação tentaram florescer na América do Sul, forças internas e externas se alinharam para silenciá-los. É por isso que, mesmo não coincidindo no calendário, a história brasileira também carrega sua própria versão de um “11 de setembro”.

O inconsciente de uma nação

A psicanálise ensina que aquilo que não é elaborado retorna sob outras formas. As imagens de tanques em Santiago reaparecem, décadas depois, em Brasília, nos vidros quebrados do Congresso e nas cúpulas invadidas em 8 de janeiro de 2023. Não era simples repetição histórica, mas a encenação de uma pulsão regressiva que se alimenta do medo e da mentira.
O ex-presidente Jair Bolsonaro tornou-se o rosto desse retorno. Adorador da ditadura, tentou reencenar, com outros meios, a mesma ruptura que devastou gerações. Sua condenação em 11 de setembro de 2025 não é apenas um ato jurídico: é a tentativa de pôr limite ao gozo autoritário, de marcar a linha que não pode ser ultrapassada.

Entre memória e esquecimento

O continente convive com um dilema: esquecer para seguir em frente ou lembrar para não repetir. A anistia de 1979, ao silenciar torturadores, deixou aberta a possibilidade de que o autoritarismo voltasse sob novas máscaras. O que não se fala retorna como sintoma, e o bolsonarismo é justamente a expressão de um país que não elaborou suas violências.

A lição do 11 de setembro

O fio que une Allende, as torres gêmeas e Bolsonaro é o da soberania interrompida. Cada sociedade que tenta construir sua própria narrativa se vê sitiada por forças que temem a radicalidade da democracia. A data nos lembra que a América do Sul só será livre quando aprender a dizer não às tentações de conciliação com o autoritarismo.

Soberania não se negocia. Memória não se apaga. Anistia nunca mais

Por Ally Viana

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