Rebeldias Criativas por Álamo Pimentel

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A ocupação dos espaços públicos na defesa de direitos sociais na história mais recente do nosso país produz a expansão de rebeldias criativas. A contestação das estruturas de dominação socioeconômica e a produção de subjetividades coletivas capazes de compor novos arranjos sociais para uma vida pública mais democrática e mais justa conferem múltiplos tons, discursos e performances a uma série histórica de acontecimentos que marcam a nossa entrada no século XXI.

No ano de 2003 a Revolta do Buzu parou a capital baiana em defesa do direito à mobilidade urbana e contra o aumento das passagens dos coletivos em Salvador. O movimento nasceu dentro das escolas públicas e, num primeiro momento, sem a participação direta de partidos políticos, sindicatos ou outras instâncias tradicionais de organização social. No ano de 2005 nasce no Fórum Social Mundial em Porto Alegre o Movimento Passe Livre (MPL) e, a luta a favor da Tarifa Zero já atravessa as duas primeiras décadas do nosso milênio sob uma configuração que“é apartidária sem ser antipartidária” como diz o próprio movimento.

Entre 2015 e 2016, as ocupações das escolas públicas em São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul e em outros estados brasileiros trasformou o cotidiano das instituições educacionais públicas do país. Estudantes, educadores, pais e representantes das comunidades locais constituíram parlamentos populares contra as políticas de desmantelamento das escolas e colocaram em curso novas sensibilidades e práticas a favor de uma educação pública, gatruita, socialmente referenciada e de boa qualidade. Salas de aulas, corredores e refeitórios passaram a ser territórios de contestação e produção de outras formas de fazer e viver a escola.

Estas efervescências não são ocorrências pontuais de revoltas isoladas. Elas resultam em práticas sociais produzidas na nossa história mais recente. Retroalimentam-se. Mudam os cenários, temas e as agendas de lutas, enquanto as formas de mobilização e ocupação dos espaços públicos ganham corpos e vozes a partir da recorrência às rebeldias criativas.

Deve-se levar em conta quatro aspectos das rebeldias criativas que inovam as lutas sociais no Brasil: a) ruptura com as formas vigentes de dominação da vida sociocultural, b) criação de movimentos em redes on-line/off-line para o enfrentamento ético-político das injustiças sociais, c) uso intensivo das tecnologias de informação e comunicação para o agenciamento das estratégias de mobilização e ocupação dos espaços públicos, d) emergência de corpos cívicos marcados por subjetividades contra-hegemônicas e múltiplas expressões de pertencimento coletivo. A constituição destes traços de formação se faz fora dos modelos tradicionais de organização social. Ao mesmo tempo, esboçam novas configurações das potências e competências inovadoras para a luta em defesa dos direitos coletivos e contra as desigualdades sociais que imperam no nosso país.

Apesar do prevalecimento do colonialismo cognitivo que governa a mentalidade das nossas elites sociais (sejam elas econômicas e/ou intelectuais). Apesar da subserviência ao neoliberalismo do norte global que escraviza as nossas elites políticas (não custa lembrar que elites sociais e elites políticas são recíprocas em suas gêneses e deformações). O Brasil do século XXI não se deixa dominar por formas atrofiadas de pensamento único. Nas ruas, nas escolas, nas aldeias, nos quilombos, nos coletivos lgbts, nas periferias urbanas e nos mais diferentes recônditos da nação criam-se e emergem redes que colocam novos corpos coletivos a favor da dignidade histórica do nosso presente. Os Brasis rebeldes não páram de criar outros Brasis.

Álamo Pimentel, juzeirense, poeta, ensaísta, especialista em Antropologia, doutor em Educação, pós doutor em Sociologia do Conhecimento, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

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