Genealogia de uma Farsa por Álamo Pimentel

2

alamo-pimentel

O Brasil está nú. Contagiado pelas narrativas anti-corrupção produzidas nos gabinetes da grande imprensa, o País despiu suas paixões e expôs a fragilidade das suas convicções cidadãs. Das estratégias de comoção social à disseminação do ódio, os oligopólios midiáticos produziram as condições necessárias para que o debate conceitual, sobre a linfática corrupção do Brasil, fosse substituído pela produção ostensiva de afecções que geraram intolerâncias ideológicas e inviabilizaram a democracia entre nós.

No ano de 2012, as investigações que resultaram no processo judicial do Mensalão produziram um festival de afetos anti corrupção. O Supremo Tribunal Federal ocupou a cena dos principais canais de televisão e as páginas dos principais jornais e revistas do país. Sob o domínio das empresas de comunicação que representam os setores mais conservadores da nossa sociedade, o processo foi cuidadosamente disputado para que os crimes cometidos na compra de votos entre os poderes executivo e legislativo, resultassem na condenação dos corruptores e dos corruptos. O escândalo ficou circunscrito ao período governado pelo PT. A corrupção foi datada e partidarizada. O que estava em jogo era a responsabilização imediata dos crimes aos governantes do momento, o constrangimento dos três poderes republicanos e a provocação de animosidades coletivas. O STF foi aprisionado pelas lentes da grande imprensa, o Poder Judiciário capturado pela fama rápida e fácil da fábrica de heróis que coloniza o imaginário nacional. O combate à corrupção forneceu fôlego, humores e voz ao anti-petismo que sempre alimentou os ressentimentos políticos de muitos brasileiros e brasileiras.

O ano de 2013 foi marcado pelos movimentos em defesa da democratização radical do direito à mobilidade urbana e por vultosa onda grevista. Segundo o DIEESE ocorreram cerca de 2050 greves das mais diferentes categorias de trabalhadores àquele ano. O acúmulo de insatisfações com os mais variados temas da vida cidadã no Brasil explodiu nas ruas. As ocupações cresceram, avolumaram-se as críticas e protestos contra todos os males da Nação. Na sua ‘Edição Histórica’ de 26 de junho, a Revista Veja, em sua Carta ao Leitor, oferece o diagnóstico e a saída para o caos provocado pelas Jornadas de Junho. Em editorial intitulado: “Sem medo do novo”, a revista celebra o fracasso dos partidos de esquerda no controle das ruas, condena a inviabilidade política do anarquismo apartidário e proclamava o surgimento do ‘novo’. A novidade da época era, de fato, a rejeição às formas tradicionais de protestos. A revista, comprometida com a distorção dos acontecimentos para benefício dos seus interesses políticos e econômicos, deixava uma mensagem explícita: ‘não temer o novo’, também deixava uma mensagem subliminar: ‘vamos dar forma a este novo’.

No ano de 2014, ano de eleições presidenciais, entra em cena o julgamento da operação Lava Jato. Tudo se repete em termos de anti-corrupção e anti-petismo (esquerdismo) com foco nos resultados eleitorais. Constituiu-se a face jovem do liberalismo contemporâneo no Brasil através do Movimento Brasil Livre (MBL) –  uma corruptela da sigla do MPL (Movimento Passe Livre). Subordinado a organizações liberais estadunidenses, o MBL teve vitalidade para a ocupação das ruas e muita criatividade para a renovação da pauta da Tradição Família e Propriedade (TFP) dos anos 60 do milênio passado. Novo na ‘roupagem’, velho no conceito, o MBL atualizou a indignação dos bem nascidos no Brasil. No mesmo ano, O PT ganhou as eleições entregue ao fisiologismo político do PMDB por uma diferença pequena de votos contra o PSDB. Nada de novo nas eleições majoritárias. No âmbito das eleições parlamentares, assistimos à ascensão das bancadas da Bíblia, da Bala e do Boi (BBB). O Brasil conseguiu legitimar no voto o que há de mais reacionário em termos de mentalidade política. Pelo perfil do Congresso Nacional eleito em 2014, voltamos ao século XIX. O fenômeno era novo no intervalo de retomada da democracia pós ditadura militar e velho, muito velho, nos termos da nossa história republicana.

O ano de 2015 foi marcado pelo discurso do país dividido na imprensa hegemônica. Mais um forte argumento para a manutenção da farsa que nos conduziria ao golpe contra a democracia. As ruas foram tomadas por discursos contra a corrupção, a favor do retorno dos militares ao poder, contra Karl Marx, contra Paulo Freire, tudo isto sobre a liderança do tal MBL e seus congêneres. Os partidos de esquerda também foram às ruas em defesa dos avanços sociais e dos Direiros Humanos. Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara e, ainda àquele ano, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, em entevista à Revista Carta Capital (de 18 de fevereiro) vaticinava: “o PT e a esquerda de forma geral nunca deram importância à Justiça, às articulações políticas do Poder Judiciário. Mas os golpes, não é de hoje, costumam ser fabricados no meio judiciário”. O jurista estava certo. A farsa montada para conduzir o golpe resultava em arranjo que ampliou a promiscuidade política entre a Mídia, o Judiciário, o Parlamento, o Mercado e parte da sociedade brasileira comovida contra a corrupção e contra o PT.

O ano de 2016, como bem sabemos, consumou o golpe contra a democracia. O país foi conduzido até aqui por meio de um triste espetáculo com direito a protagonismos de atores da Rede Globo de Televisão, dramas familiares, comprovações explícitas de incompetência política do PT para vencer as fatídicas ambições das suas lideranças, expulsão da democracia e uma polarização gritante e ineficaz da população dividida entre o Fora Temer e o Fora Dilma. Caímos em um precipício rumo a um grande vazio. Os indignados da direita não vão para Miame. Os indignados de esquerda não vão para Cuba. Estamos todos lado a lado diante de um espelho que revela os nossos corpos a nu com os nervos expostos. Resta saber com que cara e com que roupa iremos enfrentar a farsa que nos trouxe até aqui no futuro que se avizinha.

Álamo Pimentel, juzeirense, poeta, ensaísta, especialista em Antropologia, doutor em Educação, pós doutor em Sociologia do Conhecimento, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

2 COMENTÁRIOS

  1. HUM, SÁBIO. E SABE EXPRESSAR-SE BEM. O BLOG SEU, SIBELLE, TEM OS MAIORES CONHECEDORES E SÁBIOS E INTELECTUAIS DA BAHIA, QUIÇÁ DO BRASIL. SÃO ELES: ÁLAMO E OTONIEL GONDIM! POR ISSO QUE O BLOG BOMBA! PARABÉNS E UM GRANDE BEIJO, SIBELLE MERECIDA.

DEIXE UMA RESPOSTA

Comentar
Seu nome