Sensibilidades estudantis, sensibilidades cidadãs – Por Álamo Pimentel

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Os estudantes secundaristas que ocupam centenas de escolas em 11 estados brasileiros expõem sensibilidades cidadãs sob a forma de potência para a luta contra a arrogância política e o autoritarismo do atual governo.

A pluralidade dos manifestos contra a Medida Provisória 746/2016 (que impõe a Reforma do Ensino Médio) e a Proposta de Emenda Constituição 241/2016 (que impõe um novo regime fiscal para os próximos 20 anos) abre ricos e multifacetados cenários de contestações, em que jovens estudantes do Ensino Médio ocupam lugar na história do presente. Inspirados nas ocupações de São Paulo do ano de 2015, contra a reorganização escolar, os jovens de hoje exercitam suas participações civis no atual momento brasileiro tocados pelas lutas daqueles que os antecederam.
As escolas públicas se transformam em zonas de contatos (para utilizar uma expressão da pensadora canadense Mary Louise Pratt) em que coletivos estudantis contestam visões de mundo que os inferiorizam em suas diferenças, de certa forma, subalternizam suas posições na vida social. As primeiras décadas do século XXI mostram que os estudantes secundaristas assumem cada vez mais seus papéis como autores e autoras da história. Dentro e fora das escolas eles e elas criam novas formas de contestação dos modelos de autoridades que interditam seus corpos e suas vozes. Das jornadas em defesa do direito à mobilidade urbana às ocupações em defesa do direito à educação e à saúde, as escolas favorecem a expansão e contágio do sentimento de pertença à história que articula e mobiliza os/as estudantes em contextos muito diferenciados dentro de todo o território nacional.
O anúncio da Reforma do Ensino Médio, assim como o anúncio e a votação vitoriosa em primeiro turno da PEC 241 na Câmara dos Deputados, causou muita polêmica e pouca mobilização. As tradicionais organizações de lutas sociais tais como: sindicatos, partidos e associações ainda não conseguiram mobilizar a sociedade contra a ruptura da democracia. Os/as estudantes secundaristas saíram à frente. Romperam com a tradição. Desafiaram a apatia social que pesa sobre a Nação. Neste momento, eles e elas expressam os seus vínculos de pertencimento à escola e demonstram aprendizagens políticas constituídas e constitutivas de um intenso regime de alteridades on line e off line.
Eles e elas atuam em redes sociais que ampliam suas experiências de vida na escola e com a escola. Envolvem-se com as experiências de vida daqueles e daquelas com os quais convivem na escola e fora dela. Organizam seus protestos inspirados nos protestos de outros e outras com os quais compartilham sentimentos e razões para estar no mundo. Suas sensibilidades cidadãs extrapolam fronteiras rígidas que isolam suas escolas de outras escolas, suas cidades de outras cidades, seus estados de outros estados, sua nação de outras nações.
No Rio Grande do Sul os estudantes que ocupam as escolas organizaram um grupo no facebook chamado Escolas Gaúchas em Luta. Ali encontramos vídeos, mensagens e manifestações de todos e todas que participam das ocupações. Em um destes vídeos uma jovem secundarista do Rio Grande do Sul se apresenta ao lado de um jovem secundarista que participa das ocupações em Ponta Grossa, no Paraná. O vídeo pode ser visto como um testemunho da solidariedade cosmopolita que atravessa a juventude secundarista neste momento. Todas as lutas contra a liquidação dos direitos sociais da população brasileira interessam, movem e aproximam estes jovens.
A força das ocupações produziu efeitos no âmbito do Governo Federal. O Ministro da Educação convocou entrevista coletiva com a imprensa no dia 18 de outubro para ‘solicitar’ a desocupação de 181 escolas em que serão realizadas as provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) até o dia 31 do corrente mês. Em suas declarações, o Ministro sugere que a permanência dos secundaristas rebeldes nas escolas interdita o direito de outros jovens no acesso à universidade. Em seguida sugere que consultou a Advocacia Geral da União (AGU) para possíveis sanções contra os/as estudantes, caso eles e elas insistam na ocupação. Uma síntese da entrevista foi publicada na página do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão vinculado ao Ministério da Educação. O discurso do governo induz à chantagem e à ameaça de judicialização. Expressa as tensões causadas pelas ocupações.
Não é para menos. Até o final desta semana as ocupações espalhavam-se por vários estados brasileiros. Em todas as regiões do país haviam escolas ocupadas. A maior concentração registra-se no estado do Paraná. Segundo dados da União nacional de Estudantes Secundaristas (UBES) são mais de 700 escolas ocupadas no estado governado por Beto Richa, o governador do PSDB que se notabilizou ao comandar uma série de agressões policiais contra professores grevistas em abril de 2015. Por ali se encontra também a Procuradoria Geral da República, órgão vinculado ao Ministério Público Federal, comandada pelo Juiz Sérgio Moro, o justiceiro implacável celebrado pela mídia e pelos setores mais conservadores da sociedade brasileira. Neste momento, o estado do Paraná notabiliza-se também pela expressiva participação estudantil na ocupação das escolas públicas em defesa dos direitos sociais ameaçados pela MP 746 e pela PEC 241. Durante uma passeata pelas principais avenidas de Curitiba uma jovem sustentava um cartaz com a seguinte frase: “Juventude quer pensar”. O texto conciso e direto revela o retrato destes e destas jovens que reagem contra o autoritarismo do atual governo: elas e eles defendem o direito de pensar.
A imposição de uma Medida Provisória que invade e constrange as escolas do Ensino Médio, assim como a imposição de uma Proposta de Emenda da Constituição que reduz o papel do Estado como indutor do desenvolvimento nacional e incide diretamente os investimentos públicos na saúde e na educação, interessa aos estudantes porque os afeta diretamente. Afeta também àqueles e àquelas que passarão pelas escolas de todo o país nos próximos 20 anos. Afeta ainda toda a população do país.
As sensibilidades que aproximam e fortalecem os/as estudantes secundaristas neste momento talvez sejam as melhores lições de democracia participativa aprendida e vivida nas escolas. Podem ser traduzidas como sensibilidades cidadãs porque remetem à defesa de direitos que incidem nas condições de vida de toda a população brasileira. Estas jovens e estes jovens nos desafiam a lutar pela viabilidade do futuro da democracia no presente. Não se revelam como promessa, mas como presenças atuantes na transformação da história.

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