Essa campanha é profundamente injusta, Doutor!

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Nos dias que antecedem o aniversário de morte da menina Beatriz Mota, assassinada aos 7 anos no Colégio das Freiras em Petrolina (PE), dei a pensar mais sobre a falta de resposta para a tragédia. “Será que vai ficar por isso mesmo?”, “Depois de um ano sem nenhuma pista do ou dos assassinos, o que mais há para se fazer?”. Perguntas que me fiz, silenciosamente, sem muita esperança de ser respondida. Até que ouvi um áudio da participação do ex-prefeito de Petrolina, o médico Augusto Coelho, em um programa de rádio da cidade vizinha. As declarações do político de sobrenome renomado, foram como um “soco no meu estômago”. Dizia o líder político que era a hora de “virar a página” de “botar uma pedra em cima disso”. Custei a acreditar no que ouvia, mas ouvindo não pude controlar uma reação de repugnância ao que ouvia. Será esse o desejo da sociedade de Petrolina? Do Vale do São Francisco? Colocar uma pedra em cima de que? Ou de quem? Me respondam, por caridade! Porque na vida da família da criança essa pedra já foi posta no dia em que ela foi para a pedra, em 10 de dezembro de 2015. Colocar uma pedra na campanha Somos Todos Beatriz que, brava e incansavelmente, marcou os décimos dias de todos esses meses com pedidos de Justiça e mais empenho das autoridades de segurança e políticos da região? Onde querem colocar uma pedra? Para estancar o que? Para proteger a quem? Uma pedra só caberia se fosse para estancar a dor dos pais , dos irmãos, dos amigos, o que é impossível. Ainda mais quando a perda brutal vem acompanhada de um silêncio de sepulcro. Quem matou Beatriz? Quem matou Beatriz durante uma festa que reunia milhares de pessoas dentro do colégio onde a menina estudava e se sentia segura? Como colocar uma pedra em cima de um crime tão cruel e às vistas? Como colocar uma pedra em cima da incompetência do Estado que não soube investigar e só apresenta desculpas? Como colocar uma pedra diante da indiferença da classe política da região que chegou junto dos holofotes no calor do crime e depois virou as costas? Como colocar uma pedra na escancarada ineficiência da força tarefa montada pelo Ministério Público, guardião da lei, que não conseguiu ainda mostrar força alguma nesta tarefa de desvendar a tragédia?
“No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Porque não querer tirar esta pedra do meio do caminho, Dr? Aos invés de querer colocar uma pedra nisso?
Por que não colocar uma pedra na hipocrisia? na falta de empatia e compaixão? Na falta de empenho político, policial e judicial, inabilidosos em cumprir suas funções? Manter o Estado nos custa muito caro, Dr! Não pagamos caro aos senhores que representam as instituições para que nos digam que é melhor colocar uma pedra na incompetência e descompromisso, assumidos, que ora demonstra o Estado.
No meio do caminho tem uma pedra e, como continuava Drummond na sua poesia, eu “nunca me esquecerei desse acontecimento”. Nem eu e nem ninguém. Nem uma pedra colocada nos faria esquecer. Não é fácil virar a página, Dr! Não quando a história é nossa. Quando a tragédia se abate sobre nós. Colocar uma pedra na dor do outro pode ser solução fácil quando nos falta empatia. A instituição pode até ter virado a página e seguido o calendário letivo de 2016. Mas a vida da família de Beatriz parou na página do dia 10 de dezembro de 2015.
Às vésperas de completar um ano e buscando respostas para este crime bárbaro, ouvir o senhor, numa emissora de rádio, defender a impunidade e conclamar as pessoas a fazerem “uma agenda positiva para resguardar o nome do colégio” foi inacreditável. Ouvir a sua indignação pedindo para liberarem a quadra, interditada há um ano, porque isso é “abuso de poder”, ao invés de lamentar as reformas feitas em alguns espaços que podem ter corrompido a cena do crime, foi inacreditável. Ouvir o senhor dizendo que estão fazendo um “massacre” no coitado do colégio, naturalizando a negligência da instituição particular quanto à sua segurança, vitimizando o colégio e julgando os pais, foi inacreditável. Ouvir o senhor dizer que “já está na hora de “colocar uma pedra em cima disso, porque já cansou a paciência de todo mundo, já cansou a beleza de todo mundo”, foi inacreditável também, Dr! Que lástima!
Como bem disse o senhor, num lapso de sensatez: “Ninguém teve a capacidade de elucidar o crime, nem a polícia, nem o Ministério Público”. E é exatamente por isso, Dr, que não se pode virar a página desta história. Nem tampouco se criar uma “agenda positiva”. Não há agenda positiva que encubra o crime ocorrido nas dependências do colégio das freiras de Petrolina, em frente a Praça Dom Malan. Não há estratégia de marketing, nem “convocação” de político renomado, que apague da memória coletiva do Vale do São Francisco, que foi ali no colégio tradicional da cidade de Petrolina que uma criança, aluna de 7 anos, foi morta com dezenas de facadas numa noite de dezembro.
Ao dobrar aquela esquina, a cena de horror estará lá. Lá também estarão a vergonha da impunidade, a indiferença, a incapacidade da cidade pujante de elucidar uma barbárie. Esse fantasma rondará Petrolina. Não há pedra que sufoque a dor dos pais de Beatriz, capturada e abatida sabe-se lá por quem. A Beatriz não era sua, Dr! Portanto, não perca sua paciência, nem canse sua beleza. Ajude a remover a pedra do sepulcro,”eis que ela é muito grande”.
Esse problema é de Petrolina, Dr Augusto! É de todos nós. Ponha-se, por alguns segundos, no lugar da família desta menina. O senhor colocaria uma pedra? Viraria a página? Deixaria impunes a covardia e a crueldade? Os ou O assassino de Beatriz pode estar bem mais perto do que imaginamos. À espreita. Torcendo para que o crime caia no esquecimento. Que alguém surja e faça uma campanha pedindo, exatamente, para que se coloque uma pedra em cima disso tudo. Que se vire a página. Que só se lamente. Apenas, se lamente.
Essa sua campanha é profundamente injusta, Dr! Eu tenho pra mim, que o DEUS da justiça não há de aprová-la.

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