Com o tema “Abortamento Legal”, uma mesa redonda será realizada nesta quarta-feira (22), no auditório da biblioteca da Univasf, em Petrolina. O evento acontecerá a partir das 19h e é gratuito.
A mesa redonda contará com a presença da Psicóloga Camilla Bastos; a Promotora de Justiça, Cintia Granja; O Médico Danilo Brito e a Assistente Social, Renata Cavalcanti. O evento é uma iniciativa do Grupo de Estudos em Psicologia Hospitalar da Univasf. Os interessados em participar devem se inscrever pelo email: gepsihvasf@gmail.com.
Aproveitando o tema, o Portal Preto no Branco conversou com a médica ginecologista e obstetra Fabíola Ribeiro, sobre o aborto e a descriminalização do ato. Ela é natural de Juazeiro-BA e atua tanto no município, quanto em Petrolina-PE.
Fabíola é fundadora do Grupo Nascer Sertão e especialista em assistência ao parto humanizado. Atualmente é Diretora Médica do Hospital Materno Infantil de Juazeiro e tem sido pioneira na região em Parto Domiciliar Planejado. Durante a conversa ela deixou claro que irá abordar o assunto, como um problema de saúde pública.
Acompanhe a entrevista:
Gostaria de tratar o assunto como um problema de saúde pública, onde os julgamentos dos favoráveis ou não ao aborto, fiquem a parte. Ao meu ver, ninguém pratica o aborto sem ter que tomar uma decisão dolorosa.
Sem dúvidas o tema abrange diversos discursos e crenças e cada uma será respeitada,mas não colocada em pauta, uma vez que trataremos sobre CRIMINALIZAÇÃO, o que vem aumentando a mortalidade e morbidade materna SEM haver uma redução na incidência de abortos provocados.
Trata-se de um problema de saúde pública, uma vez que o aborto representa 15% de mortalidade materna, sendo a quinta causa de mortalidade entre as mulheres no Brasil, essas mortes ocorrem em países onde o aborto é ilegal, e as mulheres por sua vez recorrem a clandestinidade para praticar o aborto, onde não existem condições mínimas de segurança.
Devemos considerar que segundo a OMS 33,5 milhões de gestações ocorrem de forma acidental, ou seja, a mulher não estava esperando ou desejando a gravidez e 50 % dessas estavam em uso de algum método contraceptivo. Isso nos leva a pensar que nenhum método é 100%.
A ilegalidade do aborto em nosso país não evita que ele seja praticado. O que sabemos é que o ” aborto inseguro,” sem técnicas adequadas, se torna o responsável pela mortalidade de mulheres que não possuem condições socioeconômicas para arcar com a sua decisão de abortar. Porém, as que possuem essa condição, recorrem a clínicas clandestinas caras, mas que possuem condições de segurança para a prática do aborto e assim tem-se acesso a um “aborto seguro” onde as complicações são minimizadas de forma efetiva. Com isso, podemos afirmar que temos uma questão social evidente na prática do aborto. Quem morre são mulheres jovens pobres, de baixa renda, pouca escolaridade, em geral negras.
Podemos falar também sobre as complicações que o aborto clandestino pode provocar: hemorragia intensa, infecção grave, choque séptico, perfuração de vísceras, trauma genital. Estudos apontam que para cada morte materna existem 30 casos de graves complicações, o que torna o problema bem maior, uma vez que aumenta as sequelas e internações em decorrência dessas complicações.
Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto(PNA), 15 % das brasileiras alfabetizadas e habitando centros urbanos já fizeram pelo menos um aborto na vida. Ao chegar aos 40 anos, uma a cada cinco mulheres já terá abortado. Hoje existem 37 milhões de mulheres nessa faixa etária, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa forma, estima-se que 7,4 milhões de brasileiras podem ter feito pelo menos um aborto. Não estão incluídas nesse cálculo mulheres de outras faixas etárias. Esta mesma pesquisa, aponta que mulheres de todas as religiões e níveis de escolaridade abortam, embora abortos tenham sido mais frequentes em mulheres de menor escolaridade, possivelmente por suas condições socioeconômicas. A faixa etária mais frequente em que foram realizados os abortos foi entre 18-29 anos, no ápice da vida reprodutiva. Muitas dessas mulheres já eram casadas e tinham filhos.
No nosso país o aborto é considerado crime contra a vida, não sendo punidos apenas os casos de estupro e risco de vida da gestante. Diversos estudos comprovam que a legalização do aborto, associada a programas de atenção pós-aborto, com acolhimento e orientação às mulheres sobre métodos contraceptivos, permitem reduzir a chance de um novo aborto provocado.
Como podemos observar os números são alarmantes e criminalizar não reduz de forma efetiva a ocorrência do aborto. Diante dessa realidade a Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras(FIGO)defende a descriminalização do aborto por algumas razões:
1) A maioria das mulheres que enfrentam gravidezes não desejadas abortam, independente da lei local. Quando o acesso ao aborto é restrito, mulheres não terão opção legal, mas podem arriscar suas vidas e saúde recorrendo a provedores não capacitados e clandestinos, sob condições não higiênicas. Abortos inseguros causam sofrimento e morte, como demonstrado em diversos estudos em todo o mundo.
2) A segunda razão para defender amplo acesso ao aborto seguro, é que o principal fator impeditivo de acesso é a criminalização. E a criminalização apenas aumenta a mortalidade e morbidade, sem reduzir a incidência de abortos induzidos. Os efeitos da criminalização do aborto na mortalidade por aborto, foram dramaticamente demonstrados em países que modificaram suas leis. A Romênia é um exemplo, quando criminalizou o aborto em 1965. A mortalidade por aborto rapidamente subiu de 15 por 100.000 NV para 140 por 100.000 NV em poucos anos, declinando rapidamente quando as restrições ao aborto foram removidas. Também houve impacto significativo na mortalidade materna global.
3) A descriminalização rapidamente reduz a mortalidade relacionada ao aborto e, portanto, a mortalidade materna, uma vez que as mulheres passam a procurar assistência médica segura.
4) Descriminalização NÃO aumenta a taxa de abortos como geralmente se assume. Em alguns países pode se observar inicialmente aumento do número de abortos registrados pela maior notificação. Estudos usando outras metodologias demonstram redução do número de abortos, como na Turquia e, na maioria dos países, em médio e longo prazo, mesmo considerando os registros dos procedimentos, a tendência é que o número de abortos se estabilize e caia, como na França, Itália e Portugal.
O que defendo é a descriminalização para que as mulheres não se submetam a uma assistência insegura, sem dignidade e expondo a vida de forma efetiva. Ao meu ver, há necessidade de ofertar o aborto seguro e legal dentro do sistema único de saúde.
Com tranquilidade podemos afirmar que as mulheres preferem evitar uma gravidez do que provocar abortos, uma vez que esses deixam muitas vezes sequelas físicas e emocionais. O que não podemos é fazer de conta que esse problema não existe e deixar de ACOLHER essas mulheres, sem emissão de julgamentos.