Jean Baudrillard explorou em várias de suas obras o conceito de simulacro, como um constitutivo da produção da vida nos nossos tempos. Numa das entrevistas dadas à Folha de São Paulo, ainda em 1997, falou da cristalização de uma espécie de moralização da atividade intelectual que estava havendo no Brasil, inclusive que dificultava a compreensão de sua obra.
Como ninguém criou conceitos importantes para expor a falsificação dos modos de vida. Em todos os âmbitos, principalmente na imprensa, na política, nos redutos religiosos e na vida comum. Se ele fosse brasileiro e ainda estivesse vivo, talvez, hoje, 1° de abril, Dia da Mentira, pudesse nos ajudar e pensar a lógica da mentira produzindo a vida cotidiana, os modos de interpretar o mundo, a realidade da política que sustentou um golpe parlamentar, as postagens cheias de razão nas redes sociais… Os evangélicos insistindo em que os que leem a Bíblia são melhores que os outros (apesar dos evangélicos indiciados e presos por corrupção); os pilotos de programas de rádio e TV fazendo comentários enfáticos baseando-se em mensagens falsas de WhatsApp; leitores de falsos filósofos que pretendem transformar o nazismo em uma coisa de esquerda; mentiras produzidas intencionalmente para produzir resultados políticos (a notícia de que Dilma ia tomar todo o dinheiro que as pessoas tinham no banco, exatamente na semana de votação do impeachment; a notícia hoax de que o governo havia criado uma bolsa-puta,
uma bolsa-crack e uma bolsa-bandido; a invenção de donos para a Friboi e para a Oi – apenas para citar algumas; a notícia hoax do fim do 13° com nomes de políticos já mortos e partidos que já trocaram de nome; a notícia hoax de que os pagamentos da bolsa família iam ser suspensos, que fez uma multidão correr aos bancos…). Enfim, haveria aqui uma coleção grande de mentiras que passaram a constituir os modos de interpretação do mundo, e que nos levaram aonde nos encontramos – no centro da mentira! Instituímos a mentira como padrão de comportamento social e político – e apenas agora a verdade, em forma de leis aprovadas no congresso, bate em nossa cara…
Mas a mentira também está nos outros âmbitos da vida, nos selfies em que inventamos um sorriso nunca esboçado realmente fora dali. As marcas de roupa, cosméticos e alimentos se esforçam na elaboração da promessa (da mentira) para te convencer que aquilo é realmente um milagre e que, ao consumi-lo, você será saudável, bonito e feliz. A indústria da enganação se converte na auto-enganação. Dai em diante, simulamos que tudo vai bem e repetimos sem parar o “obrigado senhor” como um mantra de auto-tapeação. Até essa coisa de dizer que o Brasil é um país ótimo, que seu povo é o melhor do mundo, que aqui não há terremoto, que Deus é brasileiro etc., são apenas formas de auto-tapeação. A piada em que o brasileiro sempre vence, inclusive vence os americanos e alemães, não passa de exemplos de auto-tapeação e de auto-complacência.
O dia da mentira, hoje, é apenas um dia para lembrar que a mentira virou forma de vida e de política! Todos nós a praticamos, política e esteticamente! Uns mais que outros, claro. Mas, se não discutimos esses temas e não os exorcizamos, é porque também temos moralizado o pensamento, ridicularizado a atividade intelectual, como indicava Baudrillard!
Josemar Martins Pinzoh é doutor em educação e professor e pesquisador com dedicação exclusiva do Departamento de Ciências Humanas da UNEB em Juazeiro (DCH III), nos cursos de pedagogia e jornalismo e no mestrado. Mas, também é crítico, poeta e compositor não profissional nas horas em que pode fazer o que bem quer da sua vida.