Na coluna desta segunda-feira(10), o advogado Walker Fonseca, colaborador do Preto No Branco, atende sugestão de um leitor, que pediu um artigo sobre o crime de desacato.
Recebe o nome de desacato o crime praticado por particular contra a administração em geral, e que está previsto no artigo 331 do código penal brasileiro. O desacato consiste, de acordo com a redação do referido artigo, em desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. A pena prevista para o crime é a detenção de seis meses a dois anos, ou multa.
Mas o que pode ser considerado como desacato?
· insultar ou estapear o funcionário;
· palavras de baixo calão;
· agressão física;
· brandir arma com expressões de desafio;
· tentativa de agressão física;
· provocações de escândalo com altos brados;
· expressões grosseiras;
· caçoar do funcionário;
· gesticulação ofensiva;
· gesticulação agressiva;
· rasgar ou atirar documentos ao solo.
Recentemente tivemos também o crime de desacato virtual.
No ano de 2016, houve apreensões de um adolescente de 17 anos no município de Itatira, Ceará, e de um jovem de 19 anos no município de Pedregulhos, São Paulo, em razão de mensagens publicadas em rede social em desfavor de agentes públicos da Polícia Militar. Isso expõe a banalização e a utilização como forma de intimidação, controle e silenciamento do crime de desacato.
Há de se saber diferenciar o que é um desabafo ou cobrança por uma melhora na eficiência da prestação do serviço público para com o cidadão, e o que é uma ofensa, xingamento direcionados àquele agente público.
Para alguns, a alegação de crime de desacato é amplamente usada pelos agente públicos, como um meio de coagir, silenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas.
O crime de desacato tem sido frequentemente questionado, sobremaneira quanto à sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988 e com tratados internacionais de direitos humanos.
O questionamento central reside no fato de tal tipificação penal violar o artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, que assegura a
Liberdade de Pensamento e de Expressão aos cidadãos de seus estados-partes, e o art. 5°, inciso IV, da Constituição Federal, que garante o direito fundamental à livre manifestação de pensamento.
Ademais, temos o artigo 13 do Pacto de São José, onde o Brasil assinou o acordo também. In verbis
Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
O tema é tão polêmico, que até hoje ainda causa discussão.
No ano de 2016, mais precisamente em 15 de dezembro, ou seja, não tem nem um ano ainda esta decisão, a 5ª turma do STJ assim decidiu:
“Por entender que a tipificação do crime de desacato a autoridade é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a aplicação do crime tipificado no Código Penal. A decisão foi tomada na sessão desta quinta-feira (15/12) e vale apenas para o caso julgado. Embora não seja vinculante, é importante precedente para futuros recursos em casos semelhantes”.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-dez-16/turma-stj-afasta-aplicacao-crime-desacato-autoridade
Ressalvo que se algum tratado é assinado pelo nosso país, as regras nele contidas, prevalecem frente a legislação interna.
Por outro lado, em maio do corrente ano, a 3ª seção do mesmo tribunal, o STJ, após longo debate e bastante dividido entre os ministros, assim decidiu:
“Segundo o Ministro Antonio Saldanha Palheiro, autor do voto vencedor, a tipificação do desacato como crime é uma proteção adicional ao agente público contra possíveis “ofensas sem limites”.
Para o magistrado, a figura penal do desacato não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”.”
Por outro lado, o relator do caso, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que ficou vencido no julgamento, votou pela concessão do Habeas Corpus para afastar a imputação penal por desacato. O magistrado destacou que o Brasil assinou em 1992 a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) e que a tipificação do desacato como tipo penal seria contrária ao pacto por afrontar a liberdade de expressão.
Para o ministro, eventuais abusos gestuais ou verbais contra agentes públicos poderiam ser penalmente responsabilizados de outra forma, e a descriminalização do desacato não significaria impunidade. Fonte: http://www.conjur.com.br/2017-mai-29/desacatar-funcionario-publico-continua-crime-decide-stj
Percebe-se claramente que o ato de desacatar pode ser interpretado de várias maneiras. As vezes, o cidadão quer apenas expressar sua indignação com uma má prestação, por parte do agente público, de algum serviço por ele prestado em nome do Estado. Por outro lado, o agente pode levar isso para o lado pessoal e o enquadrar pelo crime de desacato.
Para evitarmos certos confrontos, aconselho nos posicionarmos sempre no lugar do outro. E se fosse eu prestando um serviço público? O agente público também pode e deve se colocar do outro lado. Como estou atendendo/servindo o cidadão?
É fundamental não levarmos nossos problemas pessoais para os ambientes de trabalho.
Saber ser educado e utilizar as palavras certas, principalmente em momentos tensos, ajuda bastante a evitar muitos outros dissabores.
O bom senso deve prevalecer para os dois lados.
Walker Fonseca
Advogado