Foram declarados santos, na manhã deste domingo (15), no Vaticano, os 30 mártires de Cunhaú e Uruaçu, no Rio Grande do Norte. Os santos potiguares são considerados os primeiros mártires do Brasil e foram assassinados em 1645. A cerimônia de canonização foi presidida pelo Papa Francisco, contou com 450 concelebrantes e foi acompanhada por aproximadamente 50 mil pessoas, que lotaram a Praça de São Pedro.
A Camerata de Vozes do Rio Grande do Norte, grupo da Fundação José Augusto, participou da cerimônia. O coro, regido pelo monsenhor Pedro Ferreira, apresentou cantos sacros antes e após a anunciação dos 30 novos santos.
Papa Francisco declarou santos os mártires potiguares após o pedido oficial, durante a cerimônia celebrada pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da congregação da Causa dos Santos. “Que estes que agora são santos indiquem a todos nós o verdadeiro caminho do amor e da intercessão junto ao Senhor para um mundo mais justo”, declarou o Papa Francisco, em sua homilia.
Os chamados “mártires de Cunhaú e Uruaçú” – nomes de duas localidades da época que hoje correspondem aos muncípios potiguares de Canguaretama e São Gonçalo do Amarante – foram beatificados no ano 2000 pelo Papa João Paulo II e foram canonizados neste domingo pelo Papa Francisco.
O caso é considerado emblemático, entre outros motivos, porque os massacrados teriam “dado a vida, derramado o sangue, na vivência de sua fé”, segundo a Igreja.
Em Cunhaú, 70 teriam sido assassinados em 16 de julho de 1645. O episódio é apontado como retaliação holandesa aos que seguiam a fé católica e se recusavam a migrar para o movimento religioso protestante que difundiam, o calvinismo.
O livro “Beato Mateus Moreira e seus companheiros mártires”, escrito pelo Monsenhor Francisco de Assis Pereira a partir de pesquisas históricas e dados que embasaram a beatificação, afirma que os holandeses contaram com a ajuda de indígenas para invadir uma capela da região, fechar as portas e matar quem estivesse dentro, em uma manhã de domingo.
Quase três meses depois desse episódio, em 3 de outubro, outras 80 pessoas também viraram alvos em outro cenário: às margens do rio Uruaçú, foram despidas e assassinadas por não terem se convertido ao protestantismo. Nem crianças foram poupadas do ataque. Uma delas, com dois meses de vida, foi uma das vítimas, junto com uma irmã e o pai.
Também parte desse segundo grupo, o camponês Mateus Moreira acabou virando símbolo do martírio porque, no momento de sua morte, teria bradado: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. A louvação seria uma prova incontestável de sua fé, na visão católica. Ele foi morto ao ter o coração arrancado pelas costas.
A presença da igreja católica no Nordeste já era considerada “marcante” nessa época, como descreve o Monsenhor Pereira, postulador da causa da beatificação dos mártires, no livro. “Havia padres seculares (padres pertencentes a dioceses), numerosos conventos de franciscanos, carmelitas, jesuítas e beneditinos. Eram mais de 40 mil católicos”, escreve ele.
Os colonizadores teriam perseguido e assassinado adeptos da religião católica que não aceitaram virar calvinistas. Na mesma época em que, por meio da Inquisição, a Igreja Católica ainda perseguia, julgava e punia acusados de heresia.
Adultos, jovens e crianças: quem são os mártires canonizados
A lista de novos santos inclui um total de 25 homens, entre eles dois padres, e cinco mulheres. Eram 16 adultos, 12 jovens e duas crianças – a mais nova, o bebê de dois meses de idade.
“A identificação dos que serão canonizados não se dá tanto pelos nomes, mas também por identificação de parentesco e de amizade (das vítimas)”, ressalta o padre Julio Cesar Souza Cavalcanti, responsável por encaminhar a canonização dos mártires na Arquidiocese de Natal.
A professora aposentada Sônia Nogueira, de 60 anos, estará em Natal, a mais de sete mil quilômetros de distância da cerimônia, mas em vigília e “com o coração cheio de gratidão pelos mártires”.
Ela diz que, por intermédio deles, pediu “a graça da cura e da libertação” para o marido, José Robério, que em 2002 começou a enfrentar as consequências de um câncer no cérebro. Fortes dores de cabeça levaram o militar aposentado, hoje com 68 anos, ao diagnóstico.
O caminho trilhado a partir desse ponto foi marcado por “apreensão”, mas também pelo que Sônia resume com letras maiúsculas em um texto: “MILAGRE DA SOBREVIDA!”
A frase foi escrita por ela em um relatório que enviou à Igreja Católica no Rio Grande do Norte, em 2016, para contar a história do marido em meio a exames, tratamentos de saúde, cirurgias e momentos de “fé”.
“Já se vão 15 anos e 5 meses desde que soubemos do tumor”, diz Sônia, em entrevista à BBC Brasil. Ela não tem dúvidas: “Foi um milagre. A medicina foi só um complemento”.
Comprovação de milagres não foi exigida no processo
Robério e sua mulher estão entre os mais de cinco mil fiéis que já relataram à Arquidiocese de Natal “graças alcançadas” por meio dos “novos santos” do Brasil.
Não foram necessários, porém, milagres para fundamentar a canonização.
“O Papa Francisco, quando decidiu pela canonização com a dispensa do milagre, colocou como um ponto básico (para a aprovação) a antiguidade do martírio e a perpetuidade da devoção do povo aos mártires”, explica o padre Julio.
Por meio do chamado processo de equipolência, o papa reconhece a santidade considerando três requisitos: a prova da constância e da antiguidade do culto aos candidatos a santos, o atestado histórico incontestável de sua fé católica e virtudes e a amplitude de sua devoção.
O mesmo processo, em que milagres foram dispensados, foi adotado para a canonização de São José de Anchieta, outro santo do Brasil.
Para Nogueira e Robério, no Rio Grande do Norte, o milagre que os mártires teriam realizado é, porém, inquestionável. “Robério foi bem aventurado no processo, por intercessão deles”, justifica a aposentada. “Como um paciente pode chegar a (sobreviver) 15 anos tomando uma medicação que segura outros por no máximo três?”.
Com dificuldades para falar e andar sem apoio, após a segunda e última cirurgia que fez, o marido faz coro: “Estava muito doente e os mártires me levantaram”.
A canonização deste domingo eleva para 36 a quantidade de santos considerados nacionais. Até agora, só um deles, Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, mais conhecido como Frei Galvão – santificado em 11 de maio de 2007 – era, porém, brasileiro de nascimento.
Os outros cinco já oficializados, São Roque Gonzales, Santo Afonso Rodrigues, São João de Castilho, Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus e São José de Anchieta, são estrangeiros, mas desenvolveram missões no país. Eles são reconhecidos por milagres.
Temer
O presidente Michel Temer divulgou uma nota por ocasião da canonização. “A Igreja Católica decidiu canonizar 30 mártires que, no Brasil do século XVII, deram a vida em nome da fé, em nome da devoção. São heróis que já são justamente honrados em nosso querido Rio Grande do Norte. São homens e mulheres que, beatificados por São João Paulo II, tornam-se, agora, os primeiros Santos mártires do Brasil”, disse.
Com informações G1