Sempre aos Domingos: “Aprendi com DEUS a não ter religião”, por Sibelle Fonseca 

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Eu nasci e me criei católica. Nos meus primeiros dias me levaram a pia do batismo e daí, os santos sacramentos se confirmaram em mim. Fui catequizada e fiz a primeira eucaristia, crismei, casei, batizei filhos, casei filha, comunguei a hóstia oferecida aos fiéis do imposto. Do estabelecido pelo senso comum.

Segui assim até poder pensar por mim mesma. Custou tempo, livros e experimentação. Passei uns poucos tempos como presbiteriana, muito mais outros como espírita. Fui ao Candomblé e a Umbanda, felizmente. Dei a mão a cartomantes e tomei banhos de sal grosso. Mandingas, não lembro ter feito. Mas se fiz, juro que não foi para o mal de ninguém. Deve ter sido quando me disseram que eu tava de “mau olhado”, coisas deste tipo que acabam nos impressionando.

Depois desta via sacra por algumas dessas religiões, me retirei, com o devido respeito a todas elas.

Talvez eu seja exigente demais, principalmente comigo mesma. Acontece que o que eu procurava eram templos mais espirituais do que materiais. A matéria eu já sabia que se deteriora a cada instante, mas que o espirito não. Ele precisa evoluir. Essa era minha busca. Nas religiões por onde caminhei vi a hipocrisia. A ganância, a ignorância e a arrogância dos rituais sem fé. Vi a aparência, e eu estava atrás da essência. Vi uma disputa por poder e uma trama para a dominação. Vi um rosário de vaidade, orgulho, ostentação, egoísmo, preconceito, desrespeito, intolerância, avareza. Um rosário com algumas dezenas de pecados capitais. E eu estava ali, justamente, para me livrar deles.

Eu, que nunca soube fazer uma interpretação literal de nada nesta vida, e a nada sigo fielmente a não ser a mim mesma. Eu, que jamais terei uma obediência cega, como têm os fundamentalistas, guardei o bem dos ensinamentos bíblicos que li em algumas páginas. O meu bem de consumo, o meu desejo de ser menos imperfeita.

Mas eu tinha necessidade de fé. Eu sabia da importância do superior e, sentia, como sinto, que tem algo supremo. Inexplicavelmente sublime e que não está nas escrituras. Está no ar. Na energia. Nos encontros. Nas escolhas. No pensamento, no sentimento. Está nas pessoas sim. Ainda mais naquelas que nos olham com os olhos baixos de fome, de dor, de feridas. As banidas, as pisadas, as injustiçadas. Está naquelas para as quais os templos fecham as portas, ou empreendem a catequese do controle social e do adestramento moral. As sofridas presas fáceis.

Desisti de religião e fiz do bem, meu Deus. Como tenho penado para encontrá-lo plenamente. Sei que nesta ainda não o alcançarei. Mas estou no caminho.

E sou mais cristã e mais feliz, do que um crente que me disse tanta coisa, outro dia, em voz alta, bíblia na mão e dedo em riste. Disse-me ele que só o seu deus me salvaria e tinha planos para mim.

Eu sou cristã. Ou pelo menos tento seguir o Cristo que viveu no mundo há dois mil anos, pregou e viveu o bem.  O crucificado. O oprimido. O que o governador Herodes, da Judeia, perseguiu.

O meu jeito cristão não me permite defender a pena de morte, a matança de judeus e de ninguém mais, por nada.

Me faz abominar a tortura e a violência em todas as suas facetas, seja na subjugação da mulher ou na exploração do trabalho escravo.

Meu jeito cristão não me deixa, em nome de coisa alguma, dar vazão aos ódios e perversidades, repetir a lei de um tal talião.

Não, eu não posso fazer de conta que não sei que mulheres pobres morrem por aborto e as clinicas de luxo já descriminalizaram a conduta para quem pode pagar.

Se sou cristã, não posso defender que uma criança ou adolescente , sujeitos de uma deformação social de qualquer tipo, sejam execrados da sociedade, com a redução da idade penal. Não seria eu uma cristã se defendesse a ditadura militar no Brasil, sabendo como eu sei, o quanto foram cruéis e covardes aqueles tempos. Que moral eu teria com Cristo se olhasse atravessado para o rapaz black power que “jamais seria meu genro”e para aquela moça preta, que poderia ser minha serviçal, em um banco da faculdade?

Jesus se envergonharia de mim se soubesse que acho negro uma raça inferior, tema de “piadinhas” e uns “bons dentes” para o trabalho. Se eu assinasse em baixo da ração humana para uma gente que “não tem hábito alimentar”. Se eu seguisse um mito qualquer, que fala em nome de Deus, de adão e de eva, para fazer cabeças imbecis contra o amor, eu não seria de Cristo. O amor de todas as maneiras é crístico. O ódio e a intolerância, jamais serão. Intolerância não combina com Jesus. Procure outra pra contar.

As temeridades não são crísticas. O “pau de arara” também não. Nem a seletividade da justiça. Nem a falsidade dos que foram às ruas pelo “fim da corrupção”. Nem no voto de Feliciano. Nem os contra o bolsa que tira famílias da fome. Nem os contras as cotas que pretendem igualar. Nem os contra a arte que precisa ser liberta. Nem quem destrói a imagem da mãe de Cristo e os terreiros, são de Deus. Os contra as liberdades individuais, não são do Deus do livre arbítrio. Quem “prefere cheiro de cavalo, a cheiro de gente, não é de Deus. Quem gosta de pobre para explorar ou mostrar-se caridoso, não fala a língua dos anjos. Quem defende os opressores e o capital, então …

A hipocrisia tá longe de ser coisa de Deus.

As vozes que se levantam agora em nome de Deus, blasfemam. Usam em vão o seu nome.

As causas dos fascistas, não são as pautas de Deus.

Os tempos são de cólera. Tempos anti-cristo. As rodas de hitler estão em alta e indo à direita do não deus pai.

Religião, já disse que não quero. Aprendi com DEUS a não tê-la.

Uma lição que aprendi com tempo, livros e experimentação.

Uma lição que aprendi com um certo bispo, pichado e perseguido pela cidade como comunista, que me dizia ” Vendo um fraco e um forte brigando, tome a defesa do fraco, depois você vai ver quem tem razão”. Eu acho que ele falou pela boca de Cristo e faço disso minha religião.

Quando vejo Deus tão vilipendiado, não desconfio da sua existência. Desconfio dos mortais que dizem ser seus semelhantes e vociferam o ódio. Crentes de si mesmos. Rebanho de gente má.

Eu? eu quero ficar deste lado. Fora dos templos. Entrando e saindo de mim para alcançar o outro do jeito que ele for e quiser ser. Respeitando-o. Amando-o. Igualando-me a ele como a um irmão, filho de Deus.

Sua benção, Dom José!

Sibelle Fonseca é radialista, juazeirense apaixonada, militante do jornalismo, pedagoga, feminista, conselheira da mulher, mãe de quatro filhos, cantora nas horas mais prazerosas, defensora dos direitos humanos e uma amante da vida e de gente.

 

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