Quem já ouviu falar em Antônio Carlos Tatau? Zé Manoel? Josyara?
Para quem mora em Juazeiro ou Petrolina, a ideia de que a região é propícia ao surgimento de novos talentos na música, é constante, aqui, crescemos ouvindo as histórias de João Gilberto, Geraldo Azevedo, Luiz Galvão e Ivete, referências mais populares da música do Vale do São Francisco, mas esqueçamos os nomes carimbados, os medalhões, você sabe o que se produz hoje nas duas cidades? Será que a cena musical de ambas, resumem-se ao sertanejo universitário massivo que toca nas rádios e bares daqui? A chuva de bandas, duplas e solos covers? Quando trata-se de outros estilos: rock, reggae, funk, música eletrônica, infinitas variações e fusões de ritmos, música autoral, pra divertir, pra protestar, pra passar uma mensagem ou apenas passar o tempo… Quem são as/os artistas que tocam o barco paralelamente a lógica comercial das “rádios jabás” ou espaços privados disfarçados de palcos públicos em carnavais e São João?
Respondendo a primeira pergunta, pra quem não conhece, A.C. Tatau é bossanovista, perdão pelo rótulo, apenas quis deixar a explicação mais literal, pois há muito tempo, não escutava nada que fosse tão genuinamente bossa nova, Tatau lançou seu álbum de estreia em 2017, aos 60 anos de idade, “A Lida dos Anos”, o violão parece que foi gravado na década de 60 pela originalidade, mas com a qualidade de um estúdio novo, a voz é doce, grave e transmite uma paz que só a bossa nova raíz consegue, o artista é contemporâneo do pai do gênero, conviveram lá atrás, antes do filhos mais ilustre da cidade parti pro Rio de Janeiro, Tatau por sua vez, lançou seu primeiro disco com a produção de Luisão Pereira, irmão mais novo e produtor super conhecido e experiente, que trabalhou com grandes nomes do rock e música popular brasileira, Zé Manoel, pianista petrolinense, também está na ficha técnica do seu disco, com arranjos modernos, casando perfeitamente o antigo e novo, ruídos, guitarras e texturas que tornaram “A Lida dos Anos” uma obra prima, obra que pouquíssimos juazeirenses conhecem.
Por falar em Zé Manoel, você já escutou algum disco dele? Se não, escute, é coisa fina, o pernambucano começou na música tocando guitarra, passou pro piano onde estudou música clássica e ao mudar-se pro Recife, começou a destacar-se como um dos nomes mais promissores da novíssima música popular nacional, com uma voz mansa, suave e um piano elegante, Zé carrega suas influências ribeirinhas nas letras e melodias, hoje mora em São Paulo, com o álbum “Delírio de um romance a céu aberto” ganhou como melhor disco no prêmio da música brasileira em 2017, quando disputou na categoria com grandes nomes, como Tom Zé, sem contar as inúmeras críticas positivas ao seu trabalho, especialistas chegaram a compará-lo com Tom Jobim e Chico Buarque, algo que se colocado fora de contexto, até pode assustar os desavisados, mas que Zé encara de maneira muito natural, sempre com os pés no chão e construindo cada trabalho como se fosse o primeiro, com muito respeito as suas referências e raízes, ele faz música de gente grande, tal qual seu tamanho.
Pra finalizar a resposta sobre os três nomes que citei no início do texto, a mais nova sensação da música popular brasileira, Josyara é juazeirense, toca violão com uma facilidade que deixa qualquer pessoa incrédula, tem uma mão direita precisa, ligeira e uma voz que não nega suas origens, assim como Zé, ela também partiu em busca da capital, primeiro Salvador, depois São Paulo, esse costuma ser o caminho natural dos artistas que escolhem sobreviver de música autoral aqui do Vale, o último álbum lançado por ela, “Mansa Fúria”, deu um impulso a sua carreira que a fez chegar em festivais e lugares de destaque nacional, a compositora, intérprete e violonista é pura força, com o violão em mãos e um microfone à sua frente, prende a atenção de qualquer pessoa, especialista ou não, a música dela tem força, vem ganhando mais admiradores por onde passa e mata de orgulho quem acompanha seu trabalho desde quando ainda morava no Vale.
Esses três artistas, contemporâneos, são apenas exemplo de como funciona a lógica da produção musical aqui, pouca gente os conhece, já ouviu falar, Tatau fez alguns shows de lançamento em Salvador, mas por escolha própria, leva sua carreira em ritmo mais cadenciado, por sua vez, Zé Manoel e Josyara estão em ritmo frenético de produção e difusão dos seus trabalhos, já são realidade, embora nas cidades natal, transitam sem serem reconhecidos, aqui, importante destacar que esse não é o problema, arrisco que caminhar pelas ruas sem ser reconhecida/o seja bom, o problema é quando produtores locais e poder público (prefeituras e secretarias de cultura) não dão o devido reconhecimento para ambos, convites pra compor as programações anuais são nulos, Zé e Josy só tocam nos espaços culturais recentemente abertos nas cidades, se não fossem Casa Azul e Cubículo, dificilmente os artistas seriam vistos mostrando seus trabalhos.
Agora imagina a dezena de artistas que moram nas cidades, que produzem música autoral contrariando toda uma lógica de mercado, que fazem um som sabendo que será mais fácil um cover de Charlie Brown tocar nos palcos das prefeituras ou casas de show (que quase não existem), imagina como é ter que compor, ensaiar, gravar, lançar e ver bandas que passam o ano inteiro paradas, serem preteridas por motivos desconhecidos a se apresentarem ganhando um cachê que chega ser irrisório, mas que pode fazer uma grande diferença para quem investe na própria carreira, o que é diferente pra quem faz um som pra se divertir nas horas vagas.
Em Juazeiro e Petrolina nós temos Tio Zé Bá, Paulo Soares, A Trupe Poligodélica, Lucas Tavlos, Camila Yasmine, Fatel, Andrezza Santos, Filhos de Zaze, Coletivo Roots, Mirielle Cajuhy, Quaal, 3 da Matina, Dj Werson, tivemos P1 Rappers, pena ter acabado, tivemos outras bandas que ficaram no meio do caminho depois de tanto batalhar, de tanto sofrerem com o descaso com a música autoral feita aqui, hoje, temos a Casinha Lab e Estúdio Casa Azul, ambos, importantíssimos para produção feita na região, que vem possibilitando a gravação de novos trabalhos, que estão fazendo com que sonhos sejam realizados, que artistas consigam expressar-se e colocarem toda sua música pro mundo.
Mas não basta as iniciativas individuais e/ou coletivas, a galera já aprendeu que ficar esperando não é escolha, mas o poder público, os mesmos que adoram posar ao lado dos artistas consagrados de fora, os que adoram discursar em prol da arte e cultura durante as eleições, ou quando dispõe de um microfone aberto, esses devem ser cobrados, devem ser cobrados e muitos, limados nas urnas, cancelados da vida pública das cidades, as/os artistas de Juazeiro e Petrolina precisam de respeito, palco e dinheiro, não venham com tapinhas nas costas, os tempos são outros, artista também é trabalhador, e talvez o problema seja esse, trabalhador geralmente só se fode.
Por Leonardo Miranda, produtor cultural.