“Domini-quarentena primeiros dias, a tanatofobia”, por Lupeu Lacerda, escritor

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(foto: arquivo pessoal)

A casa é um estranhamento. O medo da morte é foda… leio textos e vejo vídeos de amigos brincando com o vírus, mas eu sei, e eles sabem que eu sei, que o medo que me acompanha na quarentena é divisível por milhão, por bilhão, e está com eles bebendo cerveja em casa, lendo as últimas notícias, varrendo pela terceira vez o mesmo lugar da casa, lavando pela oitava vez a mão, olhando pela vigésima vez a janela, pensando: se não fosse essa porra eu agora tava… e vai ver, nem “tava”.

A própria pessoa é um estranhamento. Falei com uma das minhas irmãs hoje de manhã. Fiz ela rir. Sou bom pra caralho nisso: fazer o outro rir com minha verborragia viral. Falei pra ela de como tem sido estranho ver as pessoas fazerem o que já faço normalmente: viver com meus encostos. É verdade! Eu nunca estou só. Dentro de mim tem um sindicato de vozes. Uma delas acredita em todas as teorias de conspiração. A outra não acredita em porra nenhuma. A que tá dirigindo os trabalhos esses dias tem rezado para TODOS os deuses, deusas, santos & orixás sem o menor preconceito ou regra.

E tem a voz que ri de todas as outras e me sopra: sobe na moto porra! Vai pra algum canto onde o povo ainda esconda o medo bem escondido! Essa, especificamente, tenho deixado quieta. Estamos quase intrigados. O outro é um estranhamento.

Tenho sentido falta do contato humano. Aliás, tenho sentido falta até de gente que detesto. E rio disso também. E pensar que dia desses eu, e uns tantos outros estávamos pedindo um meteoro. Uma voz das minhas diz em meu ouvido, nextante: – ainda vai doidão?

O vírus é um estranhamento poderoso. A cadeia voluntária. A agonia de passear sobre os próprios passos dezenas de vezes. Dividir o tempo: lavar roupas, devagar, divagando. Cozinhar o feijão da semana. Pensei em contar os caroços. Achei exagero. E estou sem remédios de acalmar. Escutar musicas que nunca ouvi. Falar com filhas. Com amigos. Tudo pra deixar o vírus da porta pra fora. Tudo pra não sentir o coração apertado sabendo que tenho uma irmã e três primos irmãos na linha de frente dessa guerra contra esse negócio com nome de cerveja ruim.

Tudo pra tentar não pensar nos que não tem casa pra ficar dentro dela. Nem sabão pra lavar as mãos de tantos em tantos minutos. O sagrado é o estranhamento por dentro.

Um sábio homem de Coração de Maria, na Bahia, disse um dia que a doença e a saúde são espíritos. Acredito. E chamo esse espírito de saúde, e peço, humildemente, que abrande seu reflexo dual. Que o vento de Xangô sopre poderoso da pedreira, e leve o que tiver de ser levado, e que seja breve. E que o sol venha trazendo a esperança.

E um monte de sorriso, e de abraço e de mudança de atitude com relação a natureza, nossa mãe.

Aho, oremus, Kao Kabecile!

Lupeu Lacerda, escritor

4 COMENTÁRIOS

  1. gratidão Sibelex.
    quando a ventania passar, bora beber uma cerveja, escutar uma música bacana, sorrir bem muito, trocar abraço e falar de VIDA.
    amutu.

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