“A era do charlatanismo: de jornalista e louco todo mundo tem um pouco”, por Sibelle Fonseca

1

No dia do jornalista, 7 de abril, deixo aqui uma reflexão, um desabafo ou um desaforo, a quem interessar possa.

Navegando no Instagram, principalmente, acabei achando um erro naquele velho jargão que diz que “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. Né de médico não, é de jornalista. Isso mesmo “de jornalista e louco todo mundo tem um pouco”. O avanço da tecnologia e suas redes sociais liberaram geral, e os “jornalistas” saíram do armário, aos montes, e sem pedir licença.

Estão incorporados em profissionais de todas as áreas. Da área médica ao direito, e até políticos (que perigo!), agora têm o seus próprios programas. Eles mesmos perguntam, respondem, apresentam, entrevistam, comentam, opinam. Que legal! Não precisa de registro profissional, só basta ter muitos “k” (alguns nem isso). É só saber se expressar, caprichar no visual, seguindo padrão dos apresentadores globais, e ser desenrolado, que já tá bom. Virou jornalista, apresentador ou qualquer coisa que o valha.

Abre-se um canal no Youtube, faz uma live, grava vídeos, bomba e vira um digital influencer “top”. Abre-se uma página no Facebook, no Instagram, num servidor qualquer ou até no WhatsApp, e já se acha o “Roberto Marinho”, dono de uma grande redação. E olha que eu nem estou falando aqui daqueles que não se deram bem nas suas áreas e resolveram ser coaches, como já definiu alguém por aí. Sim, tem exceções. E isso rende outro texto.

Me perdoem os atingidos (e os tenho entre meus conhecidos e alguns chegados), mas chamo a isso de “era do charlatanismo”. Até posso aceitar que me julguem de antiquada e ressentida, mas sou de um tempo em que as pessoas pensavam muito em ética, antes de fazer qualquer coisa. E primavam pelo bom senso. Médico era médico, atendia no consultório. Político era político, pregava suas ideias no palanque. E louco era louco, talvez os mais sensatos, sempre.

Eu mesma, uma pedagoga por formação, assim que me convidaram para a TV, tive que passar muito perrengue, reservar tempo para fazer um curso profissional e me dedicar exclusivamente ao jornalismo, para exercer esta profissão penosa, recompensadora e tão vulgarizada, nestes últimos tempos.

“Jornalista é uma classe em extinção”, preciso concordar com o biruta do Bolsonaro. Qualquer um/uma pode ser. Pra ser médico, por exemplo, não. Eu nem posso receitar um remedinho, que me fez bem, para um amigo, porque isso não é lá muito ético. Abrir um consultório médico, mesmo se eu tivesse “notório saber”, seria crime, com prisão! Eu jamais faria.

Vou pular a parte do político, porque político não é profissão, e afirmo que, se eu botasse uma página numa rede social com aconselhamento jurídico, Ave Maria, os advogados me denunciariam na hora. E se eu desse a doida e resolvesse dá uma de bombeira? Ou sendo professora, abrisse uma “banca de jornalismo” na net? Nem quero pensar na confusão que ia dar. Os órgãos de classe bateriam pesado. E seria muito feio!

Estariam corretos a patrulha, a reação, o controle. Atenderiam a ética. Ética, num sentido menos filosófico e mais prático, que examina “certas condutas do nosso dia a dia, e o comportamento de alguns profissionais tais como um médico, jornalista, advogado, empresário, um político e até mesmo um professor. Para estes casos, é bastante comum ouvir expressões como: ética médica, ética jornalística, ética empresarial e ética pública”.

Na minha opinião está faltando ética, sim, mas está faltado mesmo é legislação, mão que existe para resolver conflitos. Isso já houve em um passado bem recente. Para se exercer a profissão, exigia-se, peremptoriamente, um Registro Profissional. Quando as rádios e as TVS, principalmente, foram invadidos por “desenrolados”, bons comunicadores, carinhas e vozes bonitos, a mão da lei teve que pesar. Lembro das aulas que ministrei, em um curso do SENAC/Sergipe, para pastores evangélicos, e toda sorte de amadores que já atuavam na área, sem ser profissionais, para regulamentá-los na profissão.

A internet está aí para quem quiser explorá-la, disso eu sei e sou uma entusiasta desta ferramenta, sendo eu uma das pioneiras na região do São Francisco a fazer um programa diário e um site de notícias, e mantê-los, com uma equipe de profissionais engajada e competente. O custo financeiro não é tão alto, embora a cobrança e a dedicação sejam enormes, o que eu acho ótimo!

De liberdade de expressão eu entendo e dessa bandeira sou defensora, mas uma coisa é liberdade de expressão, outra é esculhambação. É foi isso que observei navegando nas redes sociais. Um lote de profissionais de outras áreas, podendo fazer, sem nenhum crivo ou regulamentação, o que eu passei anos para poder fazer com categoria.

Há uma omissão na Lei, que precisa ser corrigida urgente. Precisa ser adequada aos tempos de internet e suas possibilidades. Sob pena de vivermos o desconforto da “insegurança jornalística”, das fake news, dos jornalistas de si próprios, do charlatanismo, o que compromete um princípio constitucional: o do direito à informação de qualidade, conduzida por profissionais.

O que aqui me reservo a dizer é que tá feio, acintoso, promíscuo e vulgar o que se anda praticando, no terreno sem lei da internet.

Divagando com minha filha sobre isso, ela me perguntou: “Mas e o que vocês, jornalistas, fazem de diferente?” Ao que respondi, sem saber ao certo: “Os de verdade? Temos ética, compromisso com a notícia a ser dada a população. Não atendemos aos nossos próprios interesses. Longe de cairmos de paraquedas na profissão alheia (aquela que se chama de “quarto poder”), em busca de glamour ou alguma influência, por diletantismo. Somos operários da comunicação e atendemos aos seus princípios”.

Por mais que sejamos posicionados ideologicamente, característica nata de todo profissional, temos o dever de apurar a informação, de ouvir os vários lados, e divulgar, mesmo contrariando nossa expectativa, a verdade dos fatos. Temos que ser assépticos nas paixões, aguerridos nas convicções, e responsáveis nas intenções. Preocupações que os blogs (que não são os pessoais, mas os que querem ser jornalísticos) não têm. Muito pelo contrário. A maioria deles surge para fazer perseguição ou linchamento de grupos políticos, descaradamente.

Neles, a opinião vale mais do que a informação; o achismo é a tônica; não há competência alguma na apuração; ouvir todos os lados, é um princípio básico jogado na lata do lixo. E os chamados “jabás” rolam soltos na blogosfera.

Esse pessoal da internet, sejam blogueiros, donos de grupos no Whats app ou apresentadores de redes sociais, só precisa ter vontade de fazer, jeito pra fazer, algum interesse em fazer (as vezes escusos e maléficos), e o mínimo de recurso. O resto é ética, essa coisinha tão estúpida e rara, na era do charlatanismo.

Da Redação por Sibelle Fonseca

1 COMENTÁRIO

  1. Trabalho todos os dias, o dia todo, nessa área chamada JORNALISMO, gosto muito do que faço, e trabalho com amor.

    Após ler esse “desabafo” como foi dito no início do texto, me deu mais vontade ainda de me capacitar na área e continuar nela.

    Abraço Sibele, vc é uma ferramenta indiscutívelmente Feliz em suas palavras. Repito, tenho aprendido muito com vc, és uma grande Professora rsrsrs.

DEIXE UMA RESPOSTA

Comentar
Seu nome