“São João ou Villa Mix?”, por Ramon Raniere

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Causou grande alvoroço nas redes sociais o anuncio da programação do primeiro São João do Vale organizado pela Prefeitura de Petrolina pós pandemia – se é que se pode afirmar que ela já passou. Alvoroço proporcional a minha particular inquietude ao ter conhecimento da grade de programação.

Em que pese meu juízo de valor, há certo tempo, por curiosidade acadêmica e por militância no campo da cultura, investigo sobre o assédio que a indústria cultural exerce sobre as festas populares brasileiras. Em especial, festas nordestinas tradicionais como os festejos juninos.

Indústria, que se apropria dos nossos valores culturais e artísticos mais caros para operar como fábrica de produtos culturais para massa, sempre a serviço do esvaziamento de sentidos, da homogeneização das formas e bestificação do povo, interesses de longa data do capital, afinal sua finalística é transformar tudo em mercadoria, inclusive nossas subjetividades.

Se a indústria cultural brasileira – entendendo-a como imenso e diverso campo de atores privados que se articula em torno da produção de mercadorias culturais – cervejarias, produtoras, meios de comunicação, plataformas de streaming, gravadoras, corporativas, etc – já determina com sucesso a poética da música popular ouvida e propagada onde se é possível nos nossos tempos. Agora ela parece se apoderar também, dos eventos públicos, financiados com recursos do povo, como é o caso do São João de Petrolina.

Não é por acaso que o consumo de álcool seja tema majoritário das canções mais tocadas. Da mesma forma que não é por acaso que empresas do setor de bebidas sejam as principais patrocinadoras de eventos privados e também dos públicos. Até porque quem banca a festa, paga a banda e escolhe a música.

É evidente que a grade de programação apresentada pela Prefeitura de Petrolina anime a grande massa, no entanto, quanto mais villa mix for menos São João será essa festa junina de largo. O que na pratica se configura como um assassinato deliberado de sanfoneiros e atrações locais que certamente estarão na programação, em letras com fontes minúsculas, quase ilegíveis, em horários desprivilegiados, e em palcos afastados.

Portanto, a Prefeitura que deveria salvaguardar as tradições age como fomentadora do triste apagamento do São João. Mas realmente quem se importa? O ataque é sistêmico e estrutural.

Ramon Raniere Braz, ativista cultural e militante das causas justas da vida

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