A Polícia Federal prendeu dois homens que supostamente estão envolvidos no desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira, da Fundação Nacional do Índio (Funai), e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian. Os agentes detiveram os pescadores identificados apenas por “Churrasco” e “Jâneo” no início da noite desta segunda-feira (06).
De acordo com o jornal O Globo, Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram quando faziam o trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael até a cidade de Atalaia do Norte. Eles viajavam com uma embarcação nova, com motor de 40 HP e 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem, e 07 tambores vazios de combustível. Os suspeitos foram levados para a cidade de Atalaia do Norte e estão em poder da Polícia Civil para prestar esclarecimentos.
Desaparecimento
Segundo a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e o Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), o último registro que se tem dos dois aconteceu na manhã do domingo (5), na comunidade de São Rafael.
Bruno e Dom retornavam do Lago do Jaburu, onde visitaram uma base da Funai, em direção a Atalaia do Norte, e pararam em São Rafael para uma reunião com um morador conhecido como “Churrasco” -conversaram com a esposa dele, já que ele não se encontrava no local.
“Depois partiram rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas. Assim, deveriam ter chegado por volta de 8h, 9h da manhã na cidade, o que não ocorreu”, diz um comunicado das instituições.
“Enfatizamos que na semana do desaparecimento, conforme relatos dos colaboradores da Univaja, a equipe recebeu ameaças em campo. A ameaça não foi a primeira, outras já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Univaja”, continua a nota.
As buscas no local já começaram. Nesta segunda-feira (6), o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, se reuniu com o ministro da Justiça, Anderson Gustavo Torres, para tratar do caso.
Estão sendo feitas “varreduras no trecho entre a comunidade São Rafael e o município de Atalaia do Norte (AM), onde teria ocorrido o desaparecimento”, diz nota da PGR.
Também nesta segunda houve uma reunião entre integrantes do MPF (Ministério Público Federal) do Amazonas, Ministério da Justiça, Polícia Federal, Polícia Civil, Funai, Univaja e Marinha para tratar dos detalhes logísticos da operação daqui em diante.
A Univaja já realizou duas incursões para buscar os desaparecidos. Segundo relatos obtidos por essas expedições, os dois foram vistos pela última vez na comunidade de São Gabriel, indo em direção a Atalaia do Norte.
A Funai destacou três servidores e mais dois agentes da Força Nacional para o caso, e pretende aumentar o contingente. O MPF informou que instaurou um procedimento administrativo para apuração do caso e que a Marinha irá comandar as buscas na região por meio do Comando de Operações Navais.
“As diligências estão sendo empreendidas e serão divulgadas oportunamente”, disse em nota a PF, que junto com a Polícia Civil vai auxiliar com o trabalho de inquérito, entrevistando pessoas da região em busca de informações sobre o paradeiro da dupla. Policiais militares e civis do Amazonas irão reforçar as buscas, segundo o governo estadual.
“Estamos com uma equipe de busca em Atalaia do Norte, com integrantes da Polícia Militar e Polícia Civil. Estamos em reunião para planejar o envio de uma equipe especializada para Atalaia do Norte para auxiliar nas buscas”, afirmou o secretário de Segurança do Amazonas, general Carlos Alberto Mansur.
Há cerca de um mês, a Univaja recebeu uma carta que teria sido enviada por pescadores com ameaças de morte nominais a Bruno e também a Beto Marubo, coordenador da união.
O documento, revelado pelo jornal O Globo e ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, fala em acerto de contas: “Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e Bruno da Funai, quem manda os índios irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe”.
A carta continua ainda ameaçando que “se continuar desse jeito vai ser pior”, e diz esse é o único aviso que os pescadores darão. Bruno fez carreira na Funai, sobretudo naquela região, mas estava de licença não remunerada desde o final de 2019.
Pessoas que o conheciam disseram à reportagem sob condição de anonimato, ele decidiu se afastar da entidade após ser exonerado do cargo que ocupava, a coordenação geral de Índios Isolados e de Recém-Contatados, onde esteve por 14 meses.
Em 2019, ele chefiou a maior expedição para contato com os isolados em 20 anos. Seus colegas dizem que ele estava insatisfeito com as dificuldades que tinha para atuar, que sofria pressão de superiores, e que por isso decidiu ir atuar diretamente com a Univaja.
Questionada, a fundação afirmou que acompanha o caso e colabora com as buscas. “Embora o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira integre o quadro de servidores da Funai, ele não estava na região em missão institucional, dado que se encontra de licença para tratar de interesses particulares”, afirmou a entidade em nota.
As ameaças que ele sofreu recentemente não são novidades, segundo as pessoas que o conheciam. Ele sempre atuou em ações de fiscalização e repressão a atividades ilegais nas Terras Indígenas da região.
A base da Funai que da qual ele retornava, a de Itui, já foi alvo de ataques a tiros, em 2018. Em 2019, um funcionário da frente de proteção Etnoambiental Vale do Javari, da qual Bruno também já fez parte, foi assassinado na cidade de Tabatinga, no Amazonas.
Na tarde desta segunda, o ex-presidente e atual pré-candidato ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se pronunciou sobre o caso. “Esperam que sejam encontrados logo, estejam bem e em segurança”, afirmou o petista pelas redes sociais.
A sensação de quem atua com a questão indigenista é de que a violência vem escalando em todo o Brasil de forma especial neste ano. Exemplo disso são os casos relacionados aos yanomami, em Roraima, e os ataques registrados no Pará.
“Dom Phillips, um excelente jornalista, colaborador regular do Guardian e um grande amigo está desaparecido no Vale do Javari no Amazonas após ameaças de morte ao seu colega indigenista, Bruno Pereira, que também está desaparecido”, afirmou Jonathan Watts, editor do Guardian.
A ONG Human Rights Watch disse que é extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem “todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas, a fim de garantir, o quanto antes, a segurança dos dois”.
“Exigimos do governo brasileiro que atue fortemente para garantir a segurança dos profissionais da imprensa, brasileiros e estrangeiros, que atuam naquela região e que têm sofrido diversas ameaças ao seu trabalho nessa área de conflito”, afirmou uma nota conjunta da Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE) e a Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE).
Folhapress